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Mostrando postagens de outubro, 2024

O SÓCIO - Conto Humorístico - Humberto de Campos

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O SÓCIO Humberto de Campos (1885 – 1934) Com os seus cinquenta anos de homem ocupadíssimo, o Dr. Viana Pacheco temia, embora injustamente, que a Natália, moreninha a quem protegia secretamente, caísse na vida aventurosa. Era casado, tinha um filho já rapazola e não podia, evidentemente, acompanhar a rapariga por toda a parte. E como a visse irritada contra a sua tirania, e preferisse perder a metade a perder tudo, tomou ele próprio, a iniciativa de uma proposta. — Sabes, filha — disse-lhe ele, um dia, com cuidado —, é preciso que tu andes acompanhada por alguém que vele por ti. Vamos, pois, fazer uma coisa: arranja um rapaz direito, novo, que me substitua quando eu não possa andar a teu lado. Eu o sustentarei, e a ti. O que eu quero é que tu não caias nas mãos de todo o mundo. — Como tu és bom, meu amor! — foi a resposta da moreninha, enquanto lhe cobria de beijos os olhos, a barba grisalha e a calva resplandecente. — Eu já havia pensado nisso, e tem, até, aí, um rapaz, mui...

O HOMEM E A IMAGEM DE MADEIRA - Conto - Esopo

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O HOMEM E A IMAGEM DE MADEIRA Esopo (c. 620 a.C. – 564 a.C.) Um homem pobre tinha uma imagem de madeira de um deus, à qual costumava orar, diariamente, implorando por riquezas. Assim fez isso por muito tempo, mas continuou pobre como sempre, até que um dia, aborrecido, pegou a imagem e atirou-a, com todas as suas forças, contra a parede. A potência do golpe abriu a cabeça da estátua e grande uma quantidade de moedas de ouro caiu no chão. O h omem reuniu-as avidamente e disse: — Ó, tu, velha fraude! Enquanto eu te honrei, tu não me fizeste bem algum; mas, mal eu te trato com insultos e violência, e tu prontamente fazes de mim um homem rico! Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de V. S. Vernon Jones.  

MEMÓRIAS - Crônica - Thomaz Soriano Filho

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MEMÓRIAS… 1 Thomaz Soriano Filho 2 (22/05/1890 – 28/01/1919) Ao Dr. A. de A. A alegria e a saudade que sentimos quando recordamos fatos de nossa meninice são um fenômeno físico muito constante e comum aos espíritos bem formados. Alegria por termos passado por coisas tão boas e saudade porque elas já passaram na ampulheta dos “tempos que não voltam mais”. Corria o mês de março, no meio das ventanias dos dias hiemais, quando eu e meu pai nos preparamos para assistir às festas da Semana Santa em minha terra. Partimos e eu ia tão satisfeito ver a terra onde nasci e onde há muito tempo não pisava! Após um dia de viagem fatigante, saltamos na estaçãozinha—B às 7 horas da noite. Meu pai tomou a frente do caminho que nos conduzia à casa de nossa visita, cujo pessoal só eu não conhecia então. Chegados lá, trocaram-se os abraços e imediatamente nos foi oferecido um jantar. Eu, muito acanhado, apenas respondia ao que me perguntavam; e fiquei ainda mais quando vi que não havia ali um...

O LOUCO - Conto - Juan Manuel de Castela

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O LOUCO Juan Manuel de Castela (1282 – 1348) Tradução de Paulo Soriano Um bom homem tinha uma casa de banhos com uma excelente piscina. Sucede que, na mesma cidade, havia um louco que ia à piscina todos os dias e, quando as pessoas se banhavam, cuidava ele de espancá-las com pedras e paus, obrigando-as a fugir apavoradas. A notícia se espalhou por toda a cidade e chegou um momento em que ninguém se atrevia a frequentar o balneário. Assim, o proprietário via fugir a sua renda. Vendo que as coisas iam mal, e que não havia sinal de melhora, o proprietário se viu disposto a remediar a situação. Um dia, ele se levantou bem cedo e, tomando uma maça e um balde d’água fervente, dispôs-se a aguardar a chegada do louco. Logo o doido chegou, como fazia todas as manhãs, e queria bater nos banhistas, como lhe era de costume. Mas o dono, assim que o viu entrar, seguiu até ele sem a menor hesitação, lançou-lhe o conteúdo do balde de água fervente na cabeça e, empunhando a maça, pôs-se...

OS QUATRO SURDOS - Conto - Vladmir Odoevsky

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OS QUATRO SURDOS (Conto Indiano) Vladmir Odoevsky (1803 – 1869) Não muito longe da aldeia, um pastor pastoreava as suas ovelhas. Já passava do meio-dia e o pobre pastor estava com muita fome. É verdade que, ao sair de casa, ele pediu à esposa que lhe levasse o café da manhã, mas a mulher, como se de propósito, não o fez. O pobre pastor atirou-se aos pensamentos. Sabia que não poderia voltar para casa, já que não poderia deixar o rebanho à própria sorte, sujeito aos ladões. E nem lhe parecia uma alternativa plausível — decerto pior —permanecer onde estava, já que a mordida fome lhe seria um tormento. Olhando para um lado e para o outro, finalmente viu o vigia da aldeia, que ceifava a relva para alimentar a sua vaquinha. Aproximando-se, disse-lhe o pastor: — Por favor, querido amigo, cuide para que meu rebanho não se disperse. Irei para casa tomar o desjejum e depois voltarei imediatamente para cá. Se me ajudares, recompensar-te-ei generosamente pelo teu favor. Parece agira o...

O FRADE E A FREIRA - Conto Breve - François Rebelais

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O FRADE E A FREIRA François Rebelais (1484 – 1553) A freira Fessue engravidou do frade Roidmet. Tornando-se conhecida a gravidez, ela foi chamada ao capítulo pela abadessa e acusada de incesto. Ela se desculpou alegando que isso havia acontecido sem o seu consentimento, que havia ocorrido à força, fruto da violência frade. A abadessa respondeu: — Ah, garota má! Se isso aconteceu no dormitório, por que você não gritou? Todas nós teríamos corrido para ajudá-la. Ela respondeu que não ousou a gritar no dormitório porque nele sempre reina um completo silêncio. — Mas — disse a abadessa — por que não fez sinais às suas colegas de quarto? — Eu lhes fiz sinais com o traseiro tanto quanto pude, mas ninguém me socorreu. — Mas, malvada —perguntou a abadessa —, por que não veio me contar imediatamente e denunciá-lo? Eu assim teria feito, se estivesse na mesma situação, para demonstrar a minha inocência. — Porque, temendo ficar em pecado e condenar-me, acaso morresse subitamente, con...

BALZAC GRAFÓLOGO - Anedota - Anônimo do início do séc. XX

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BALZAC GRAFÓLOGO Anônimo do início do séc. XX É sabido que Balzac se orgulhava de saber grafologia. Uma senhora foi um dia procurá-lo e pediu-lhe que examinasse um exercício escolar de um menino de doze anos. — Quero que o senhor diga alguma coisa sobre o futuro da criança que escreveu este exercício — rematou ela. Balzac examinou a escrita com cuidado, soube que a senhora não era mãe do menino e, finalmente, falou em tom de absoluta certeza: — Esse menino é bronco e indolente. Jamais fará coisa que preste. A senhora desatou a rir e confessou a Balzac que o famoso exercício escolar fora tirado de um caderno de infância do próprio grafólogo. Fonte: Leitura para Todos, edição de agosto de 1923. Ilustração: Félix Nadar (1820 – 1910)  

O CÃO E A PULGA - Fábula - Leonardo da Vinci

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O CÃO E A PULGA Leonardo da Vinci (1452 – 1519) Um cão estava dormindo sobre a pele de um cordeiro capão, quando uma de suas pulgas, sentindo o cheiro da lã gordurosa, julgou que ali encontraria melhor vida, e que estaria protegida dos dentes e das unhas do cão, de cujo sangue extraía o seu alimento. Sem mais pensar, abandonou o cão e mergulhou na espessa lã. De início, tentou chegar às raízes dos pelos, mas, depois de muito esforço, percebeu a futilidade daquela empreitada, pois aqueles pelos estavam tão amontoados que quase se tocavam, e não havia espaço entre eles para atacar a pele. Depois de muito trabalho e fadiga, resolveu voltar ao seu cão; mas como, neste meio tempo, ele já se havia evadido, a pulga, queixosa e arrependida, acabou por morrer de fome. Versão em português de Paulo Soriano.  

O PAPA E OS MÉDICOS - Anedota - Melchior de Santa Cruz de Dueñas

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O PAPA E OS MÉDICOS Melchior de Santa Cruz de Dueñas (c.1505 – 1585) Tradução de Paulo Soriano No parlamento do papa Alexandre VI, certo dia, discutia-se acerca do proveito da existência de médicos na República. A maior parte dizia que os médicos não eram proveitosos, e alegavam, em seu favor, que Roma esteve seiscentos anos sem eles. Disse o papa que não estava de acordo com tal opinião; disse, ademais, que era melhor que houvesse médicos, porque, sem eles, haveria tão grande número de pessoas que não caberiam no mundo. Fonte: Floresta Espanhola . Ilustração: Gerrit Dou (1613 – 1675).