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Mostrando postagens de 2019

A VIÚVA E O SAPATEIRO - Conto de Mário Terrabatava

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A VIÚVA E O SAPATEIRO Mário Terrabatava (Conto inspirado numa antiga narrativa medieval.) Em minha terra, se um homem sem prole masculina morre ab intestato — ou seja, sem deixar testamento —, seus bens, porque não expressamente destinados aos familiares supérstites, são arrecadados pelo e para o tesouro real, ainda que o defunto tenha filhas e a sua esposa esteja viva.   Mulher e filhas, graças ao descaso da   Divina Providência e à Imprevidência do desgraçado varão, estão condenadas à indigência ou à prostituição (se não   a ambas, a depender da idade da viúva), acaso não tenham parentes vivos e generosos — o que é mui raro; menos a parentela, mais a generosidade — que lhes garantam um   miserável sustento. E tudo é assim porque os agentes do tesouro são inclementes e, se lhes não é exibida prontamente uma certidão autêntica, de inteiro teor, do testamento, arrancam das mulheres o último dos últimos vinténs, quando não algo mais. Algo menos metálico e mais lúbrico.

UM BANDIDO GALANTE - Conto de Prosper Mérimée

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UM BANDIDO GALANTE Prosper Mérimée (1803 – 1870) Celebrava-se um casamento nos arredores de Andujar. Os noivos já tinham recebido os cumprimentos de seus amigos. Era a ocasião de irem todos para a mesa, preparada à sombra de uma grande figueira defronte de casa. Cada um dos convivas estava com a melhor disposição. Os aromas dos jasmins e das laranjeiras floridas misturavam-se agradavelmente com o cheiro que exalava dos pratos que enchiam as mesas. De repente, aparece um homem a cavalo, saído de uma pequena mata próxima de cada. Apeou-se destramente, saudou as pessoas presentes e conduziu o animal à estribaria. Não se esperavam mais outros convidados. Todavia, na Espanha, qualquer viajante é sempre bem-vindo num jantar de festas. Além disso, pelo seu vestuário, o estranho parecia ser gente de importância e o noivo adiantou-se para recebê-lo. Enquanto uns perguntavam aos outros quem seria aquele recém-chegado, o escrivão de Andujar empalidecia como um

OS CONSELHOS DE SALOMÃO - Conto de Giovanni Boccaccio

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OS CONSELHOS DE SALOMÃO Giovanni Boccaccio (1313- 1375) A fama da miraculosa sabedoria de Salomão estendera-se por todo o universo. Sabia-se também que ele não desdenhava dar provas de seu saber a quem quer que as pedisse, e de todos os lados vinham a ele, consultavam-no sobre os casos mais urgentes e os assuntos mais espinhosos. Um rapaz, da cidade de Lajazzo, chamado Melisso, pôs-se a caminho para o consultar. Durante a viagem, encontrou outro jovem, cujo nome era José, que ia igualmente pelo mesmo motivo. Chegou-se a ele, entrou em conversa, interrogou-o a respeito de seu nascimento, sua pátria, sua condição, o fim e o objetivo de sua jornada. Respondeu José que ia consultar Salomão sobre o procedimento que deveria seguir em relação à sua mulher: a mais difícil, mais desagradável, mais perversa que existira, e sobre a qual os rogos, as ameaças, as carícias, as lisonjas não puderam até então produzir o menor resultado. Sendo, por sua vez, interrogado por José, tal como

O FRATRICIDA - Conto de Gabriele D’Annuzio

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O FRATRICIDA Gabriele D’Annuzio (1863 – 1938) Mal percebeu o ruído das muletas, Lucas abriu desmesuradamente os olhos, turvos e ardentes, voltando-os para a porta onde seu irmão devia aparecer. Todo o seu rosto, emagrecido pelo sofrimento, devorado .pela febre, semeado de borbulhas avermelhadas, tomou, repentinamente, um ar de dureza, quase de furor. Agarrou convulsamente as mãos da mãe, gritando com voz brusca e rouca: —Expulse-o! Expulse-o! Eu não quero vê-lo! Ouve? Eu não quero vê-lo   nunca mais, nunca mais! Ouve? As palavras estrangulavam-se em sua garganta. Sufocado por um acesso de tosse, apertou nervosamente as mãos da mãe. E, sobre seu peito, a camisa agitava-se, entreabrindo-se a cada esforço. Tinha a boca inchada e, no queixo, as borbulhas secas formavam uma crosta que a cada momento se fendiam e sangravam. A mãe tentava acalmá-lo: —Não, não, meu filho. Não o verá mais. Farei o que quer. Vou expulsá-lo. Vou expulsá-lo. A casa é sua, meu filho,

MARIANA - Conto Trágico de Machado de Assis

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MARIANA Voltei de Europa depois de uma ausência de quinze anos. Era quanto bastava para vir achar muita coisa mudada. Alguns amigos tinham morrido, outros estavam casados, outros viúvos. Quatro ou cinco tinham-se feito homens públicos, e um deles acabava de ser ministro de Estado. Sobre todos eles pesavam quinze anos de desilusões e cansaço. Eu, entretanto, vinha tão moço como fora, não no rosto e nos cabelos, que começavam a embranquecer, mas na alma e no coração que estavam em flor. Foi essa a vantagem que tirei das minhas constantes viagens. Não há decepções possíveis para um viajante, que apenas vê de passagem o lado belo da natureza humana e não ganha tempo de conhecer-lhe o lado feio. Mas deixemos estas filosofias inúteis. Também achei mudado o nosso Rio de Janeiro, e mudado para melhor. O jardim do Rocio, o  boulevard  Carceller, cinco ou seis hotéis novos, novos prédios, grande movimento comercial e popular, tudo isso fez em meu espírito uma agradável impressão.