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Mostrando postagens de 2021

A ÁRVORE DE NATAL - Conto de Fíodor Dostoievski

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A ÁRVORE DE NATAL Fíodor Dostoievski (1821 – 1881)   Em uma grande cidade, na noite de Natal, sob um frio intensíssimo, vi um menino, ainda muito criança, de oito anos apenas, talvez de menos, ainda bem pequeno para mendigar, mas já perseguido e torturado pela miséria. Esse menino despertou tiritando, pela manhã, num quarto úmido e frio, abrigado com uma espécie de bata, velha e puída. A respiração saia-lhe em forma de vapor branco: sentado a um conto, sobre um baú, distraía-se ativando de propósito sua respiração, divertindo-se vendo-a sair. Mas tinha muita fome. Desde a madrugada, aproximara-se já várias vezes da cama de tábuas, coberta com um delgado enxergão, em que estava deitada a mãe, com a cabeça apoiada em um monte de farrapos à guisa de travesseiro. Como chegara até ali aquela pobre mulher? Sem dúvida saíra, com seu filho, de alguma cidade longínqua, em que a acometera a enfermidade. E ali estava havia dois dias. Na companhia de gente miserável como ele. Dia de

OLOFIN E A IMORTALIDADE - Conto Iourbá - Autor Anônimo

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  OLOFIN E A IMORTALIDADE (Anônimo Iorubá)   No princípio dos tempos, Olofin — o criador do mundo — fez o homem e a mulher e lhes concedeu a vida. Olofin engendrou a vida, mas se esqueceu de criar a morte. Os anos se passavam e os homens e as mulheres envelheciam cada vez mais, mas não morriam. Assim, a terra se encheu de pessoas velhas que tinham milhares de anos e continuavam governando de acordo com as suas antigas leis. Tanto imploraram os mais jovens que um dia seus clamores chegaram aos ouvidos de Olofin. E Olofin viu que o mundo não era tão bom quanto ele havia planejado e sentiu que ele mesmo estava velho e cansado demais para consertar aquilo que tão mal lhe havia saído. Então Olofin convocou Iku para se encarregar da resolução do problema. Iku compreendeu que deveria acabar com o tempo em que as pessoas nunca morriam. Fez, então, com que chovesse sobre a terra durante trinta dias e trinta noites sem parar. E tudo ficou submerso. Somente as crianças e os mais jov

O FATOR IGNORADO - Fábula de Ambrose Bierce

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  O FATOR IGNORADO Ambrose Bierce (1842 – 1914?) Tradução de Paulo Soriano     Um homem era dono de um belo cão. Depois de uma cuidadosa seleção, deu a ele uma companheira, da qual nasceram vários animais quase angelicais. O homem, tendo se apaixonado por sua empregada, casou-se com ela, produzindo uma ninhada de imbecis. — Ai de mim! — exclamou o homem, contemplando aquele funesto resultado. — Se eu tivesse escolhido a minha mulher com a metade do cuidado que dediquei à escolha da cadela, eu seria agora um pai orgulhoso e feliz! — Eu não teria tanta certeza disto — disse o cão, que escutara aquele choramingo. — Decerto, há enorme diferença entre a minha e a sua prole, mas arrisco a ufanar-me de que tal disparidade não se deve totalmente às mães. Você e eu não somos exatamente iguais.

A GASCOA E O REI - Giovanni Boccaccio

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A GASCOA E O REI Giovanni Boccaccio (1313 – 1375)   Durante o reinado do primeiro soberano de Chipre [1] , instalado naquela ilha depois que Godofredo de Bulhão [2] conquistou a Terra Santa, uma senhora da Gasconha foi, por devoção, a Jerusalém, para visitar o Santo Sepulcro. Ao retornar, passou por Chipre, onde alguns pilantras a insultaram e ultrajaram. Reclamou ao magistrado, mas, não encontrando nenhuma satisfação, resolveu levar a reclamação ao rei. Não faltaram pessoas que lhe dissessem que estava perdendo tempo, pois o príncipe era tão indolente e inspirava tão pouco receio em seus vassalos que não só deixava impunes os insultos alheios, como tolerava, jovialmente, aqueles dirigidos à sua pessoa. E isto a tal ponto que, se alguém estava descontente com ele, podia expressar, impunemente, e da forma mais desrespeitosa, o que sentia. Sabendo disso, a senhora, desesperada por vingança ao ultraje sofrido, se propôs a, pelo menos, zombar da indolência e covardia do rei. E ela aparece

O POBRE DIABO - Narrativa Lendária - August Bondeson

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  O POBRE DIABO (Lenda sueca) August Bondeson (1854 – 1906)   Era uma vez um camponês que conduzia sua vaca para o pasto na primavera e orava a Deus para tê-la sob seus cuidados. O maligno estava sentado em um arbusto, ouviu o que o camponês dizia e disse a si mesmo: —Quando as coisas vão bem, eles agradecem a Deus; mas, se algo der errado, a culpa é sempre minha! Poucos dias depois, a vaca se perdeu em um pântano. E quando o camponês chegou e a viu, disse: — Olha só! O diabo aprontou das suas novamente! — Era exatamente o que eu esperava — pensou o demônio em seu arbusto.  Então o camponês foi procurar ajuda para a arrastar a vaca para fora do atoleiro. Nesse ínterim, o diabo saltou do arbusto e ajudou a vaca. Assim ele conjecturava: —Agora, finalmente, o camponês terá alguma coisa a me agradecer. Mas quando o camponês voltou e viu a vaca em terra firme, disse, aliviado: — Graças a Deus, ela saiu do atoleiro!   Versão em português de Paulo Soriano a parti

LAZARILHO DE TORMES - O EPISÓDIO DO CEGO - Anônimo do século XVI

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  LAZARILHO DE TORMES O EPISÓDIO DO CEGO Anônimo do séc. XVI Tradução de Paulo Soriano   Pois saiba Vossa Mercê, antes de tudo, que a mim me chamam Lázaro de Tormes, filho de Tomé González y de Antona Pérez, naturais de Tejares, aldeia de Salamanca. Deu-se o meu nascimento dentro do rio Tormes, razão por que tomei este sobrenome, e aconteceu assim: meu pai, que Deus o perdoe, era incumbido de alimentar a mó de um moinho, no qual foi moleiro por mais de quinze anos, situado à margem daquele rio. E estando a minha mãe grávida de mim, certa noite, no moinho, entrou em trabalho de parto e ali mesmo deu à luz; de maneira que, em verdade, posso me dizer nascido no rio.     Quando eu era um garoto de oito anos, acusaram o meu pai de certas sangrias malfeitas nos sacos que as pessoas traziam para moer. Por isso, foi preso e confessou, não negou e sofreu a perseguição da Justiça. Espero em Deus que esteja ele na Glória, pois o Evangelho nos chama de bem-aventurados. Neste tempo,

O OLHO DE VIDRO - Conto - Oscar Wilde

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O OLHO DE VIDRO Oscar Wilde   Certo ricaço, vítima de um ligeiro acidente de caça, ficou caolho. Mandou fazer um olho de vidro especial, um olho admirável e perfeito, em todo sentido digno de sua fortuna. O cristal mais puro e o esmalte mais fino faziam dele uma pequena obra de arte. Na água verde de sua pupila cintilavam chispas de ouro e a íris parecia profunda, viva e real.  O caolho experimentou-o diante do espelho e se sentiu tão satisfeito que quase se apaixonou por si mesmo. Quis consultar seu melhor amigo: —E então, perguntou-lhe, que achas de meu olho de vidro? O amigo respondeu sem entusiasmo: —É indiscutivelmente o melhor que se pode fabricar. — Como? Não te sentes maravilhado? Não achas que seja a própria vida? Quanto a mim, estou tão surpreendido que mal posso distinguir o falso do verdadeiro. Olha bem, olha bem e dize-me se vês qual é o artificial. —É este, respondeu o amigo sem vacilar. —E como o adivinhaste? —É o mais bonito. —Ah, estás agindo