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Mostrando postagens de janeiro, 2024

A CIGANA - Narrativa Breve - Prosper Mérimée

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A CIGANA Prosper Mérimée (1803 – 1870) Tradução de Paulo Soriano   No ano passado, uma espanhola contou-me a seguinte história: Um dia, passava ela pela rua de Alcalá, muito triste e preocupada. Foi quando uma cigana, agachada na calçada, gritou-lhe: — Minha linda senhora, teu amante te traiu. Era a verdade. — Queres que eu o traga de volta para ti? Compreende-se com que alegria a proposta foi aceita e qual deveria ser a confiança inspirada por uma pessoa que, num relance, adivinhara os íntimos segredos de seu coração.   Como seria impossível realizar os ritos mágicos na rua mais movimentada de Madri, combinou-se um encontro para o dia seguinte. —Nada é mais fácil do que trazer de volta, a seus pés, um homem infiel — disse a cigana. — Tens em um lenço, um cachecol ou uma mantilha que ele te tenha dado? A cigana recebeu um lenço de seda. — Agora costura, com seda carmesim, uma piastra [1] num canto do lenço. Em outro canto, costura meia piastra; e, aqui, uma moedinha; ali, uma moeda de

LAMENTO - Poema em Prosa - Charlotte Brontë

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  LAMENTO Charlotte Brontë (1816 – 1855) Tradução de Paulo Soriano   Há muito tempo, desejei deixar a casa onde eu nasci e costumava sofrer. Minha casa parecia tão abandonada! Outrora, os seus cômodos silenciosos estavam repletos de medos assombrosos. Mas, agora, a sua memória cobre-se de ternas lágrimas. Conheci a vida e o casamento, que, noutros tempos, eram tão fulgurantes. Mas, presentemente, vejo que se esvaiu cada raio de luz! No mar desconhecido da vida, eu não encontrei ilha abençoada. Mas, finalmente, por sobre as suas ondas selvagens, o meu barco volta para casa. Adeus, profundidade sombria e ondulante! Adeus, estranhos litorais! Abri, em amplas nuvens, o vosso glorioso reino! Malgrado eu tenha conseguido passar, em segurança, o ora cansado, ora tumultuoso rio, uma voz amada, ente ondas e rajadas, poderia chamar-me de volta. Numa manhã resplandecente, vívida na alma, erguer-se-ia, sobre o meu Paraíso, William. Mesmo do repouso do Céu, eu voltaria, quanto

ALEGRIA DA VIÚVA - Conto de Teófilo Braga

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ALEGRIA DA VIÚVA Teófilo Braga (1843 – 1924)   Era uma vez um homem casado; a mulher dizia que morria por ele, e que Deus nunca dera a ninguém um marido assim. O homem fiava-se naquelas palavras, e quando andava no campo a trabalhar dizia para o criado: — Não há ninguém que tenha uma mulher como a minha. O criado disse que não era bom experimentar, porque podia ficar enganado. Disse o patrão: — Agora é que desafio todo o mundo para me mostrarem uma mulher melhor do que a minha. — Pois eu estou pronto para uma experiencia. À noite, quando formos para casa, vai o patrão atravessado na palha fingindo que morreu, e o resto fica por minha conta. Assim aconteceu; o criado chegou mais tarde do que o costume, bateu à porta, e com grande pranto contou como o patrão tinha morrido de repente. Quando a mulher ia começar a fazer grandes choros, disse-lhe o criado: — Oh minha ama; é melhor não dar a saber isto à vizinhança, porque se enche logo a casa de gente, e tudo quanto lhe vier fazer companhia

INFERNO NO CÉU - Crônica de Júlio Portus Cale

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  INFERNO NO CÉU Júlio Portus Cale   Porque virtuoso, quando morri, fui direto para o Céu. Lá chegando, procurei prontamente Santo Antônio, o mais milagreiro dos santos e o meu santo de devoção. Encontrei-o sentado a uma escrivaninha, debruçado sobre um livro imenso, fazendo apressadas anotações com uma pena. Tinha um ar de grande cansaço, mas trabalhava febrilmente. — Com licença, Santo Antônio. Posso me sentar um bocadinho? — Um dedinho de prosa é bem-vindo. Fique à vontade. Sentei-me. — Meu santo, o senhor parece-me cansado — disse-lhe. — Extenuado, meu filho! Extenuado! Somente nesse minutinho, desde que você chegou, já vieram 50 novos pedidos de casamento. É difícil dar conta de tanto pedido.   E olhe que, hoje em dia, casamento é coisa difícil... —Mas é assim que o senhor faz os milagres, escrevendo num livro enorme? — Não, meu filho.   Este aqui é o livro de registro. — Então o senhor é um burocrata? Não faz milagres de verdade? — Pessoalmente, muito