A CIGANA - Narrativa Breve - Prosper Mérimée

A CIGANA

Prosper Mérimée

(1803 – 1870)

Tradução de Paulo Soriano

 

No ano passado, uma espanhola contou-me a seguinte história:

Um dia, passava ela pela rua de Alcalá, muito triste e preocupada.

Foi quando uma cigana, agachada na calçada, gritou-lhe:

— Minha linda senhora, teu amante te traiu.

Era a verdade.

— Queres que eu o traga de volta para ti?

Compreende-se com que alegria a proposta foi aceita e qual deveria ser a confiança inspirada por uma pessoa que, num relance, adivinhara os íntimos segredos de seu coração.  

Como seria impossível realizar os ritos mágicos na rua mais movimentada de Madri, combinou-se um encontro para o dia seguinte.

—Nada é mais fácil do que trazer de volta, a seus pés, um homem infiel — disse a cigana. — Tens em um lenço, um cachecol ou uma mantilha que ele te tenha dado?

A cigana recebeu um lenço de seda.

— Agora costura, com seda carmesim, uma piastra[1] num canto do lenço. Em outro canto, costura meia piastra; e, aqui, uma moedinha; ali, uma moeda de dois reais. Depois, terás que costurar uma moeda de ouro no meio. Uma dobrão seria melhor.

Costurou-se o dobrão e tudo mais.

—Agora, dá-me o lenço. À meia-noite, irei levá-lo ao cemitério. Caso queiras contemplar um belo resultado, vem comigo. Eu te prometo que, já amanhã, voltarás a ver aquele a quem amas.

A cigana partiu sozinha ao cemitério, pois a outra mulher tinha muito medo dos demônios para acompanhá-la.

Deixo que pensem se a pobre mulher abandonada tornou a ver o seu lenço e seu infiel amante.

 

Excerto de Carmen.



[1] Moeda de prata.

 

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