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Mostrando postagens de dezembro, 2024

O LOUCO AVISADO - Narrativa Clássica Humorística - Gonzalo Correas Íñigo

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O LOUCO AVISADO Gonzalo Correas Íñigo (1571 – 1631) Tradução de Paulo Soriano Em Chinchilla, localidade perto de Cuenca, havia um louco que, persuadido pelos folgazões, levava um cacete sob o traje. Quando chegava um forasteiro, achegava-se a ele dissimuladamente, perguntando-lhe de onde era e a que vinha. Dava-lhe, então, três ou quatro bordoadas, com o que os outros se riam, e depois apaziguava-os com a escusa de que era louco. Um homem de La Mancha chegou a Chinchilla e, na estalagem, teve notícia do que fazia aquele louco. Então, prevenindo-se com um porrete, acomodado sob a capa, foi à praça, disposto a realizar o que tinha de fazer. Chegando o louco, o homem de La Mancha avançou sobre ele e lhe deu uma boa sova, com o que o fez fugir, a gritar: — Cuidado, pessoal, que há outro louco em Chinchilla!   

UM SEGREDO DE MOÇA - Conto - Julia Kavanagh

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UM SEGREDO DE MOÇA Julia Kavanagh (1824 – 1877) Tradução de autor desconhecido do séc. XIX Havia muito que minha prima me pedia que fosse vê-la. Afinal, aceitei, mas com algum pesar. Tratava-se de ir passar algumas semanas com a Sra. Le Tellier numa propriedade que ela possuía nos confins da Normandia, e onde eu nunca unha ido. Senti uma espécie de tristeza em deixar o meio tranquilo em que, vai em vinte anos, gozo de um viver tão doce. Uma mulher que não se casou, que não tem os laços da fama, depressa envelhece na solidão. Foi o que eu percebi quando tive que me pôr a caminho, e confesso que sempre me arrependi da viagem a que devo a única aventura romanesca da minha vida. Parti com um tempo medonho: chuva toda a manhã. Ainda chovia quando chegamos, já tarde, à estação de…, onde me esperava a carruagem da Sra. Le Tellier. A estrada que conduzia à propriedade de minha prima atravessava vastas planícies de aspecto sombrio e triste. A chuva tinha parado, mas os últimos raios ...

A RECEITA - Crônica - Catulle Mendes

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A RECEITA Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de autor desconhecido do séc. XIX No camarim cor do rosa e malva, por cujas cortinas mal penetrava a luz, a gentil viscondessa de Belvélise, um tanto pálida, com uns ares de moribunda, estava deitada, toda coberta de rendas, sobre uma chaise longue . Os seus pesinhos nus, de calcanhares rosados, saem a meio das chinelas de pérolas. Junto dela, o médico da moda, jovem, lindo, de umas maneiras de estrangeiro, com as compridas mãos, apalpava-lhe o pulso por baixo das rendas da manga. — É grave, não, doutor? — disse ela, com um gracioso estremecimento que parecia de febre. — Muito grave, disse ele. — Eu estou certa de que é uma languidez o que sofro. — Exatamente. — E qual é a causa da moléstia? — Eu creio, minha senhora, que há duas causas. — Duas? O Sr. me faz medo. Quais? Diga depressa. Ele pareceu hesitar; no entanto, sorria. — E então, senhor, quais são essas causas? — São — respondeu ele afinal, em voz baixa — os seus ...

NATAL, PALAVRA MÁGICA - Conto - Wessel Smitter

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NATAL, PALAVRA MÁGICA Wessel Smitter (1892-1951) Tradução de autor anônimo do séc. XX Esta é a história de Hugh Glass, uma história verdadeira de indominável coragem; do poder da vontade contra obstáculos quase invencíveis e é, também, a história do Natal, da mágica força de uma simples palavra, que transformou no perdão a mais ardente sede de vingança. No verão de 1823, o major Henry conduzia uma expedição, a oeste do rio Missouri, composta de uns 80 homens. No entardecer de um dia de julho, dois deles foram enviados para a frente, à escoteira, a fim de escolherem lugar para o acampamento, naquela noite. Ao lado de um regato, os dois batedores encontraram Hugh Glass, o caçador, horrivelmente mutilado. Um lado do seu rosto fora arrancado e, na perna esquerda, acima do joelho, o osso aparecia. Perto da corrente, via-se um urso pardo, morto. A expedição deixara São Luís, na primavera, para apanhar ursos em armadilhas nas Montanhas Rochosas, repletas de índios. Glass, um gigante, n...

APOSTASIA - Conto - Paulo Soriano

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APOSTASIA Paulo Soriano Com o coração afogado em angústias, o noviço Eldrictch correu à cela do sábio frade MacAllister — cujos olhos, de tão velhos e cansados, já não filtravam a luz — e lhe disse: — Frade, preciso de teu auxílio. — Senta-te — disse o frei. — O que te apavora? — Ontem, na cidade, morreram dois homens. Um deles será dignamente sepultado em nosso convento; o outro ganhará uma cova rasa no campo inculto reservado aos hereges e suicidas… — Continue. — Conheço ambos os homens — disse Eldrictch. — O mais velho era um homem de coração puro. Talvez o homem mais bondoso, mais caridoso, que já conheci. Ia, toda semana, à gruta dos lazarentos, matava-lhes a sede, limpava-lhes as feridas e alimentava-os com pão quente e peixe fresco. Mas, agora que está morto, temo que os enfermos aguardem o mesmo fatal destino, porque ninguém se ateve a aproximar-se deles. Não havia necessitado a quem esse homem não socorresse. Os desvalidos iam, todos os dias, à sua casa e de lá sa...