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Mostrando postagens de agosto, 2020

CANALHA - Conto breve - Júlio Portus Cale

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  CANALHA Júlio Portus Cale   Quando formulada aquela clássica pergunta, que todos os adultos fazem e não cansam de fazer, a   mais nova das minhas irmãs respondia sem pestanejar: — Quero ser cirqueira ou caixa de supermercado. Realmente, ela adorava circos e ficava deslumbrada com as mulheres trapezistas e assistentes de mágico, com seus maiôs cintilantes, cheias de gestos e   melindres fascinantes. Talvez mais encantada ficava quando contemplava, de olhos abertos e queixo caído, a moça de mão direita flexível, leve e ágil como a de um violonista virtuoso, extraindo da geringonça pesada, repleta de teclas e botões, aqueles sonidos tão cristalinos, tão maravilhosos... Quando formulei a pergunta a Fabinho, ele pensou um pouco e me respondeu: — Quero ser um canalha! — Canalha? No alto da sabedoria de seus doze anos, Fabinho prosseguiu: — O canalha sempre se dá bem. Quando a gente é certinho, quando anda na linha, só quebra a cara. Mas se o cara é canalha, só por isso

A MUDANÇA - Conto de Roberto Prado Barbosa Junior

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A MUDANÇA Roberto Prado Barbosa Junior   — Alô. Alô, está me ouvindo? Silêncio do outro lado da linha. — Alô! Sei que você está aí, vamos me responda, por favor, fale comigo. Por favor, preciso ouvir a sua voz... Silêncio. Ela dolorosamente percebe que ele desligou o aparelho. Torna a ligar, ouve o chamado, mas não atendem. Começa a chorar convulsivamente. Torna a ligar para o mesmo número que continua teimosamente a chamar. Nada. Vai ao banheiro, toma uma ducha e suas lágrimas confundem-se com a água que cai. Ainda molhada, torna ligar. Dessa vez ele atende ao telefone. — Alô? — Oi, sou eu. Estou te ligando há horas, há dias, mas você não me atende... — Ah, é você? — diz com certo desconforto (nota-se que se ele soubesse que era ela não teria atendido). — Preciso de um identificador de chamadas — murmura quase como que para ela ouvir. — Por que você não me procurou mais? Silêncio. — Não faça isso comigo. Olhe, não podemos terminar assim... Silêncio.

UM BANDIDO CORSO - Conto de Guy de Maupassant

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  UM BANDIDO CORSO Guy de Maupassant (1850 – 1893) O caminho subia suavemente no início da floresta de Aitône. Os pinheiros desmedidos alargavam sobre nossas cabeças uma abóbada gemedora, emitiam uma espécie de queixa contínua e triste, enquanto, à direita e à esquerda, seus troncos finos e retos formavam uma espécie de exército de tubos de órgão de onde parecia sair essa música monótona do vento nos cimos. No final de três horas de caminhada, a multidão de longas hastes  emaranhadas rareou. De espaço em espaço, um pinheiro — guarda-sol gigantesco, separado dos outros, aberto como uma sombrinha enorme — ostentava sua cúpula de um verde escuro. Depois, subitamente, alcançamos os lindes da floresta, uns cem metros abaixo do desfiladeiro que conduz ao vale selvagem do Niolo. Sabre os dois cumes abruptos, que dominam essa passagem, algumas velhas árvores disformes parecem ter subido penosamente, como exploradores que partiram diante da multidão aglomerada atrás. Ao voltarmos, a

O DIABO - Conto Clássico Humorístico - Olavo Bilac

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  O  DIABO Olavo Bilac (1865 – 1918)   Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luisinha que a coitada, quando, às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo que começava a bater os dentes... Pobre Luisinha! Que medo, que medo ela tinha do diabo! Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar... Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente: — Minha filha! Basta ver que está assim preocupada com essa ideia, para reconhecer que realmente o Diabo anda a persegui-la... Para o tinhoso amaldiçoado, assim é que começa... — Ai, senhor padre! Que há de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me aparecesse, eu nem forças teria para gritar...  — Bem, filha, bem... V