O DIABO - Conto Clássico Humorístico - Olavo Bilac
O
DIABO
Olavo
Bilac
(1865
– 1918)
Tinham
metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luisinha que a coitada, quando,
às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto
medo que começava a bater os dentes... Pobre Luisinha! Que medo, que medo ela
tinha do diabo!
Um
dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João,
abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de
ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar...
Padre
João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois,
olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:
—
Minha filha! Basta ver que está assim preocupada com essa ideia, para
reconhecer que realmente o Diabo anda a persegui-la... Para o tinhoso
amaldiçoado, assim é que começa...
—
Ai, senhor padre! Que há de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me
aparecesse, eu nem forças teria para gritar...
—
Bem, filha, bem... Vejamos! Costuma deixar a porta do quarto aberta?
—
Deus me livre, santo padre!
—
Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta se o
Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos
saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite, deite-se, e reze,
deixe a porta aberta... Tenha coragem... Às vezes, é o Anjo da Guarda que
inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas. Deixe a porta aberta
esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...
—
Ai, senhor padre! Eu terei coragem?...
—
É preciso que a tenha... É preciso que a tenha... Vá... E, sobretudo, não diga
nada a ninguém... Não diga nada a ninguém...
E,
deitando a bênção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando
o belo queixo escanhoado...
*
E,
no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário,
quando viu chegar a bela Luisinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e
medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara...
—
Ah, meu padre! Apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um
medo... com um medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto... Meu
Deus! não sei como não morri... Quem quer que fosse, veio andando devagarinho,
devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama... Não sei... Perdi os sentidos
e...
—
Vamos, filha, vamos...
—...
depois, quando acordei... Não sei, senhor padre, não sei... Era uma coisa...
—
Vamos, filha... Era o Diabo?
—
Ai, senhor padre! Pelo calor, parecia mesmo que eram as chamas do inferno... Mas...
—
Mas o que, filha? vamos!...
—
Ai, senhor padre... mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina...
Imagem: Iotti.
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