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CARIDADE FILIAL - Narrativa Clássica - Plínio, o Velho

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  CARIDADE FILIAL Plínio, o Velho (23 – 79) Infinito é o número de exemplos de afeto que se conhecem em todas as partes do mundo; mas um, em particular, ocorreu em Roma e a este nenhum outro pode ser comparado. Uma mulher de classe muito baixa, e cujo nome não chegou até nós, tendo dado à luz recentemente uma criança, obteve permissão para visitar a mãe, que estava confinada na prisão. Era sempre cuidadosamente revistada pelo carcereiro antes de ser admitida, para evitar que introduzisse na cela qualquer alimento. Por fim, porém, foi a jovem flagrada alimentando a mãe com o leite do próprio seio. Assim, levando em consideração o maravilhoso afeto da filha, a mãe foi perdoada, e ambas foram sustentadas pelo erário pelo resto dos seus dias. Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Henry Thomas Riley (1816 – 1878) e Johan Bostock (1773 – 1846). Imagem: Guercino (séc. XVII).

O VISITANTE DO SR. TESTADOR - Conto de Charles Dickens

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O VISITANTE DO SR. TESTADOR Charles Dickens (1812 – 1870) Tradução de Paulo Soriano Era um homem que, conquanto não tivesse mais de trinta anos, contemplara a vida a partir de diversas ocupações irreconciliáveis: dentre outras estranhas atividades, havia sido um oficial de um regimento sul-americano. Mas, como não tivera êxito em quaisquer dos estilos de vida que abraçara, acabou endividado e, agora, vivia escondido. Instalou-se, assim, num apartamento dos mais sombrios de Lyons Inn. Não era, no entanto, o seu nome que estava escrito na porta ou no batente superior: era o de um amigo, que ali morrera, e lhe legara a mobília. A história surgiu do mobiliário e tem o seguinte propósito: estabelecer que o antigo morador do apartamento — cujo nome ainda estava na porta ou no batente — era o Sr. Testador. O Sr. Testador ocupava um apartamento em Lyons Inn, mas tinha escassos móveis em seu dormitório e nenhum em sua sala de estar. Passara alguns meses de inverno nessa condição, e

GIANNI E A ÉGUA - Conto Humorístico de Giovanni Boccaccio

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  GIANNI E A ÉGUA Giovanni Boccaccio (1313 – 1375) Tradução de Paulo Soriano No ano passado, havia em Barletta um padre, chamado Dom Gianni di Barolo, que, pároco de uma igreja pobre, para prover o próprio sustento, começou a carregar mercadorias com uma égua, de cá para lá, pelas feiras de Apulia, a comprar e a vender. Assim andando, travou estreita amizade com um homem chamado Pietro da Tresanti, que exercia o mesmo ofício com um jumento. Em sinal de afeição e amizade, conforme o costume apulense, chamava-o sempre de compadre Pietro. E todas as vezes que o compadre chegava a Barletta, levava-o à sua igreja, e ali o hospedava e o recebia com todas as honras possíveis. Compadre Pietro, a seu turno, sendo paupérrimo, tinha uma pequena cabana em Tresanti, suficiente apenas para ele, sua jovem e bela mulher e seu jumento. Todas as vezes que Dom Gianni aparecia em Tresanti, Pietro o levava à sua casa e, como podia, em honra à hospitalidade que recebia em Barletta, fazia as honras de

A ACHA - Conto de Guy de Maupassant

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  A ACHA Guy de Maupassant Era um pequeno salão, todo forrado de reposteiros espessos e discretamente perfumado. Um fogo vivo flamejava numa grande lareira, a cujo canto uma só lâmpada derramava uma luz branda, suavizada por um abajur de renda antiga, sobre duas pessoas que conversavam. Ela, a dona da casa, uma velhota de cabelos brancos, era uma dessas velhas adoráveis, de pele sem rugas, fina como papel de seda, e perfumada, toda impregnada de perfumes, penetrada até à carne das essências finas, uma dessas velhas que exalavam, quando se lhes beija a mão, o mesmo odor suave que nos salta ao olfato quando abrimos uma caixa de pó de íris florentino. Ele era um velho amigo que ficara solteiro, um amigo de todas as semanas, um companheiro na viagem da existência. Só isso, aliás. Haviam parado de conversar fazia um minuto, pouco mais ou menos, e ambos olhavam o fogo, sonhando qualquer coisa vaga, num desses silêncios amigos da gente que não sente a necessidade de estar sempre faland

O VINHO DE CORINTO - Conto Breve Humorístico - Júlio Portus Calle

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  O VINHO DE CORINTO (Narrativa sesquicentenária) Júlio Portus Cale João Corinto era um exímio conhecedor de vinhos e, sobretudo, um excelente bebedor. Certa feita, o enófilo achou por bem levar um jovem pernambucano — neófito na arte da embriaguez — à feira pública, onde pululavam as adegas, disposto a mostrar-lhe as maravilhas produzidas naquela excepcional região vinícola. Ao passar por uma bela senhorita, famosa por vender as frutas mais saborosas daquela pequenina cidade gaúcha, ouviu-a chamá-lo e, estendendo-lhe na delicada mãozinha um cacho púrpura, dizer-lhe: — Gostarias de um cacho de uva, Sr. João? — Obrigado, minha cara! — respondeu o austero bebedor. — Mas não gosto de vinho em pílulas…

O BOM DEVEDOR - Narativa Humorística - Anônimo do séc. XIX

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  O BOM DEVEDOR Anônimo do séc. XIX Um camarada entra num café e pede um copo de cerveja. É prontamente servido, mas, pensando melhor, o consumidor torna a chamar o rapaz e pede que lhe troquem a cerveja por um copo de absinto. Servido o absinto, o sujeito bebe e sai sem pagar. O dono do café vai atrás dele e reclama o pagamento do absinto. — Mas eu não lhe dei em troca um copo de cerveja? — exclama do devedor. — Então pague-me o copo de cerveja — replica o nosso homem. — Oh, isso é demais — replica o desconhecido. — Por ventura eu tomei a cerveja? E afasta-se com sossego e altivez. Fonte: Almanach Brazileiro Ilustrado, 1878, p. 280. Imagem: Diego Velásquez (1599 – 1660).

APÓS A GUILHOTINA - Narrativa Verídica Humorística - Anônimo do Séc. XIX

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  APÓS A GUILHOTINA Anônimo do séc. XIX O Dr. Gall 1 , célebre frenólogo 2 , visitando um dia o hospital psiquiátrico de Bicétre, perguntou a um deles, que o acompanhava: — Por que está aqui, meu amigo? A verdade é que eu não descubro no seu crânio o menor indício de loucura. O louco respondeu: — Sr. Dr., não estranhe que a minha cabeça não apresente sinal algum de loucura, porque devo lhe dizer que fui guilhotinado durante a Revolução, e a cabeça que agora trago não é a minha. Fonte: Almanach Brazileiro Ilustrado, 1878, p. 338. Notas: 1 Franz Joseff Gall (1785 – 1928), médico e anatomista alemão. 2 A frenologia é uma pseudociência que pretende determinar o caráter, as características mentais e de personalidade, a sanidade mental e o grau de propensão à criminalidade de uma pessoa a partir do exame do formato de seu crânio.