OFÉLIA - Poema em Prosa - Sarainés Kasdan
OFÉLIA
Sarainés Kasdan
Tradução de Paulo Soriano
A morte chegou a destempo, como se fosse uma amante resignada e abatida. Não a esperava o salgueiro, com seus galhos abertos; não a esperava a tarde, silente e pacífica; não a esperava as flores brancas, vermelhas e amarelas. E, claro, nem Ofélia por ela esperava quando seu corpo se rendeu ao riacho de águas cristalinas.
Tudo isso aconteceu enquanto a tarde fenecia junto a um salgueiro de galhos abertos, um salgueiro-chorão de folhas cinzentas, um salgueiro que oferecia suas folhas de outono à corrente cristalina.
Naquela tarde, Ofelia visitou o salgueiro e o riacho. Levava consigo um buquê de flores brancas, vermelhas e amarelas; pendurou o buquê em um galho quebradiço, um galho invejoso a ponto de partir-se, um galho moribundo que, quando se quebrou, levou consigo folhas cinzentas, flores brancas, vermelhas e amarelas, e um corpo feminino e um ramo, em meio ao assombro do riacho cristalino.
Ela poderia se ter levantado, sacudido as folhas de suas roupas e voltado para casa. Mas, enquanto o galho se quebrava, as flores se perdiam, as folhas cinzentas voavam e um corpo assombrado e feminino se afogava lentamente, Ofélia sentiu um frêmito irrepetível, um tremor que não nascia do frio, um tremor que não suspirava de medo e muito menos provinha das águas cristalinas. Era o tremor de uma dor envelhecida, um estremecimento vindo de um amor mal correspondido. E, por conta desse tremor, a amargura abriu de par em par as portas ao reino da morte, por essa dor ela deixou que a morte a habitasse, como se fosse uma amante resignada e abatida.
Contaram-me ontem, como se fosse um conto de fadas: era uma vez (disseram-me), um salgueiro-chorão com galhos cristalinos, um riacho de águas cinzentas, um rebanho de tristezas brancas, vermelhas e amarelas, um galho de braços outonais, um tremor de morte, uma jovem quebradiça afogada, com as palmas das mãos voltadas para cima, estremecida por um tremor mal correspondido, envolta para sempre em um sudário branco de águas cristalinas.
Ilustração: John Evertt Millais (1829 – 1896).
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