CANALHA - Conto breve - Júlio Portus Cale
CANALHA
Júlio
Portus Cale
Quando
formulada aquela clássica pergunta, que todos os adultos fazem e não cansam de
fazer, a mais nova das minhas irmãs
respondia sem pestanejar:
—
Quero ser cirqueira ou caixa de supermercado.
Realmente,
ela adorava circos e ficava deslumbrada com as mulheres trapezistas e
assistentes de mágico, com seus maiôs cintilantes, cheias de gestos e melindres fascinantes. Talvez mais encantada
ficava quando contemplava, de olhos abertos e queixo caído, a moça de mão
direita flexível, leve e ágil como a de um violonista virtuoso, extraindo da
geringonça pesada, repleta de teclas e botões, aqueles sonidos tão cristalinos,
tão maravilhosos...
Quando
formulei a pergunta a Fabinho, ele pensou um pouco e me respondeu:
—
Quero ser um canalha!
—
Canalha?
No
alto da sabedoria de seus doze anos, Fabinho prosseguiu:
—
O canalha sempre se dá bem. Quando a gente é certinho, quando anda na linha, só
quebra a cara. Mas se o cara é canalha, só por isso é “fascinante”, e todas as
meninas só querem saber dele. Como formiga no mel.
—
Mesmo?
—
Mesmo. Veja Pedro Víctor. Tem cara mais canalha do que ele? É um cínico, um cara
de pau. Mentiroso até a alma. Farsante. Não cumpre uma promessa, não paga
dívida e nem devolve o que tomou emprestado. Não estuda, não toma banho,
malandreia o tempo todo, é todo safo, descolado... e por isso é
um... como é mesmo?... Ah, um “sedutor”! Não há menina que resista ao
seu fascínio, aos seus encantos. Quanto a mim...
Resolvi
devolver a clássica pergunta ao famigerado Pedro Víctor. Seria a prova dos
nove. Ele me disse:
—
Quando crescer, quero ser um cara certinho, certinho mesmo, bem nerd.
Nerdão!
Aquela
reposta me surpreendeu. Nem tanto quanto a que Fabinho me deu, mas ainda assim,
surpreendeu...
—
Por quê?
E
ele, vaidoso:
—
Porque já cansei de engabelar as garotas com o meu charme...
Suspirei
aliviado: pensei que ele ia dizer que era brincadeirinha, que queria mesmo é ser político.
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