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LAMPIÃO - Crônica Humorística - Luiz Raimundo

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  LAMPIÃO Luiz Raimundo   Aquela manhã de terça, 6 de abril de 1937, ficaria para sempre na lembrança dos moradores de minha terra natal, Jequeri, até o fim dos tempos. Zequinha dos Correios, nas primeiras horas do dia, vinha em desabalada correria pelas ruas da cidade, com destino à sede da prefeitura. Entrou na sala do Dr. Arthur Damásio, com os cabelos em riste, parecendo um “luís-cacheiro” (*), os olhos mais esbugalhados que os de um macaco-esquilo, brandindo um telegrama, sem conseguir falar nada. O Prefeito, que também era médico – estimadíssimo na cidade – mandou que se sentasse e trouxe-lhe um copo d´água com açúcar. Assim que ele se acalmou, o alcaide tomou-lhe das mãos o telegrama, e o que leu fez com que arregalasse também os olhos e se deixou cair como uma jaca desprendida do galho em sua cadeira de trabalho.  O telegrama dava a seguinte informação: “Lampião chegará essa cidade vg amanhan vg pelas cinco da tarde pt.” Do telegrama não constavam destinatário nem remetente. Im

A RECEITA - Conto Humorístico - Catulle Mendes

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  A RECEITA Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de autor desconhecido do séc. XIX   No camarim cor do rosa e malva, por cujas cortinas mal penetrava a luz, a gentil viscondessa de Belvélise, um tanto pálida, com uns ares de moribunda, estava deitada, toda coberta de rendas, sobre uma chaise longue . Os seus pesinhos nus, de calcanhares rosados, saem a meio das chinelas de pérolas. Junto dela, o médico da moda, jovem, lindo, de umas maneiras de estrangeiro, com as compridas mãos, apalpava-lhe o pulso por baixo das rendas da manga. — É grave, não, doutor? — disse ela, com um gracioso estremecimento que parecia de febre. — Muito grave, disse ele. — Eu estou certa de que é uma languidez o que sofro. — Exatamente. — E qual é a causa da moléstia? — Eu creio, minha senhora, que há duas causas. — Duas? O Sr. me faz medo. Quais? Diga depressa. Ele pareceu hesitar; no entanto, sorria. — E então, senhor, quais são essas causas? — São — respondeu ele afinal, em voz

ISABETTA E A ABADESSA - Conto Humorístico de Giovanni Boccaccio

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  ISABETTA E A ABADESSA Giovanni Boccaccio Tradução de Paulo Soriano     Vós deveis saber que há na Lombardia um mosteiro muito famoso por sua santidade e por sua religião. Nesse mosteiro havia, dentre as monjas que ali viviam, uma jovem de sangue nobre e de maravilhosa formosura, chamada Isabetta. Certa feita, chegando ela à grade para receber um parente seu, que neste momento fazia-se acompanhar por um belo jovem, por este de pronto se apaixonou. O jovem, vendo-a belíssima, e adivinhando o desejo da moça pelo olhar, da mesma forma inflamou-se por ela. Não sem grande pesar para de ambos, durante muito tempo este amor não frutificou. Finalmente, estando os dois bem atentos àquela situação, o jovem percebeu um meio de juntar-se à jovem furtivamente. Ela, muito contente, não foi por ele visitada apenas uma vez, senão muitas, o que a ambos proporcionou grande prazer. Mas, enquanto as coisas assim corriam, aconteceu que ele, numa noite, foi visto, por uma das senhoras lá de d

O PROTETOR - Conto de Guy de Maupassant

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  O PROTETOR Guy de Maupassant (1850 – 1893) Tradução de autor desconhecido início do séc. XX   Nuca sonhara com tão grande fortuna. Filho de um meirinho da província, Jean Marin viera, como tantos outros, estudar o seu Direito no Bairro Latino. Nos diferentes botequins que sucessivamente frequentara, tornara-se o amigo de vários estudantes faladores que discutiam política bebendo chope.   Começou a admirá-los e segui-los obstinadamente, de café em café, pagando as contas quando tinha dinheiro. Fez-se depois advogado e pleiteou várias causas, sempre perdendo. Ora, numa manhã, leu nas folhas que um dos seus antigos companheiros do bairro fora eleito deputado. Foi de novo um cão fiel, o amigo que faz as encomendas e os recados; o amigo que se procura quando há alguma necessidade e com quem não há cerimônia. Mas, por simples aventura parlamentar, sucedeu que o deputado se tornou ministro; seis meses depois, Jean Marin era nomeado conselheiro do Estado.   *   Numa grand

O MÉDICO ENGANADO - Narrativa Verídica - Simon François Blocquel, dito Frinellan

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  O MÉDICO ENGANADO Simon François Blocquel, dito Frinellan (1780-1863) Tradução de Paulo Soriano   O médico Saint-André combatia, em seus escritos, as superstições. No entanto, uma mulher — mais esperta do que o doutor — conseguiu enganá-lo. Em 1776, esta mulher assegurou-lhe que havia dado à luz um filhote de coelho e, como sentia dores de parto — sinal seguro, segundo ela, de um novo e próximo nascimento —, implorou a Saint-André que a ajudasse a dar à luz. O nosso médico cedeu ao pedido e, para o seu espanto, fez nascer à mulher um coelhinho ainda vivo. A polícia, todavia, arrestou esta nova espécie de rebento e, depressa, tornou-se claro que a mulher havia troçado do público e, em particular, zombara de seu médico demasiado crédulo.   Fonte: Le triple vocabulaire infenal, Paris, 1847.    

VIRGÍNIA - Conto Trágico - J. J. de S. S. Rio

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  VIRGÍNIA J. J. de S. S. Rio (Séc. XIX)   Maldito o seu furor, porque obstinado, e maldita a sua ira, porque inflexível. Gênesis   Prostrada ante uma imagem da Virgem, banhada em pranto o rosto, soltos os cabelos, e a mais viva aflição pintada no semblante, orava Virgínia, a inconsolável Virgínia, esperando a cada momento a infausta notícia da morte de seu amante, que nas trincheiras barateava a vida pela pátria, pelejava contra holandeses, defendendo a cidade de São Salvador. Em vão buscava a mãe tranquilizá-la; em vão; as palavras da velha não podiam levar a seu dilacerado coração a consoladora esperança, que perdida a tinha ela; mas, e ainda mal, mais e mais aumentavam-lhe a dor, mais e mais tornavam insuportáveis os seus sofrimentos. Ah! Que ela, moça e tão linda, tinha visto partir do Recôncavo da Bahia o seu querido Eugênio, na véspera desse dia em que lhe devia dar a mão de esposo, e firmar ante o altar os seus protestos de amores, em uma tarde do mês de maio.

A CIGANA - Narrativa Breve - Prosper Mérimée

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A CIGANA Prosper Mérimée (1803 – 1870) Tradução de Paulo Soriano   No ano passado, uma espanhola contou-me a seguinte história: Um dia, passava ela pela rua de Alcalá, muito triste e preocupada. Foi quando uma cigana, agachada na calçada, gritou-lhe: — Minha linda senhora, teu amante te traiu. Era a verdade. — Queres que eu o traga de volta para ti? Compreende-se com que alegria a proposta foi aceita e qual deveria ser a confiança inspirada por uma pessoa que, num relance, adivinhara os íntimos segredos de seu coração.   Como seria impossível realizar os ritos mágicos na rua mais movimentada de Madri, combinou-se um encontro para o dia seguinte. —Nada é mais fácil do que trazer de volta, a seus pés, um homem infiel — disse a cigana. — Tens em um lenço, um cachecol ou uma mantilha que ele te tenha dado? A cigana recebeu um lenço de seda. — Agora costura, com seda carmesim, uma piastra [1] num canto do lenço. Em outro canto, costura meia piastra; e, aqui, uma moedinha; ali, uma moeda de