A MOEDA - Conto de Anna Katherine Green
A
MOEDA
Anna
Katherine Green
(1846
– 1935)
—
E agora, meus amigos, se viram bem e suficientemente olharam a moeda, façam, a
gentileza de entregá-la a mim, valete Albert, para que a torne a colocar no
cofre.
Os
convidados se entreolharam à espera de que o objeto aparecesse. Olhares
interrogadores. A moeda não aparecia.
—Não é possível que se haja extraviado —
assegurou lorde Sedgwick, com tranquilidade.
—
Eu a vi há um momento na mão de alguém. Ah, sim! Barrow, ela estava com você.
Que fez dela?
—Passei-a a outros.
—Bem. Terá corrido para debaixo de alguma
fresta.
Enquanto
lorde Sedgwick se inclinava para olhar em sua própria cadeira, os demais
hóspedes o imitavam.
—Não se incomodem, senhores — continuou. — Bebamos
à nossa saúde e deixemos que Albert a procure quando tivermos saído da sala.
Entretanto, notava-se nele certa preocupação:
a moeda era raríssima e a contava entre os mais preciosos espécimes de sua coleção.
Por outra parte, os presentes eram seus amigos e pessoas alheias a qualquer
suspeita. Por isso se levantou, exclamando com voz alegre,
enquanto se dirigia a um pequeno salão ao lado:
—
Divirtamo-nos com música alegre, senhores.
*
— Encontrou a moeda? — perguntou lorde
Sedgwick a seu valete quando este, depois de tê-la procurado, entrou no
salãozinho.
—Não, senhor. E estou certo de que a moeda não
está na sala de jantar. Levantei a mesa e procurei cuidadosamente em todos os
cantos.
—Bem, voltaremos a falar a esse respeito
amanhã.
Nesse
momento, a voz estridente de um jovem se ouviu:
—Um
momento, senhores! — disse. — Essa moeda é um verdadeiro tesouro para a coleção
de lorde Sedgwick. Deixaremos que a coisa termine assim? É possível? Não é
possível! A moeda desapareceu enquanto passava por nossas mãos. Que pensará
disso o proprietário? Não é preciso dizer. Senhores: exceção feita para as
senhoras, nós temos a obrigação moral de provar nossa inocência, e peço que me
seja permitido esvaziar meus bolsos aqui, em presença de todos. Rogo-lhe, lorde
Sedgwick, não se oponha. Peço-lhe isso como um favor!
O
jovem Hammerseley era conhecido por todos os presentes: multimilionário,
generosíssimo, superior a toda suspeita, desejava que os comensais pudessem
demonstrar o mesmo.
Lorde
Sedgwick quis protestar.
—
Tem inteira razão — replicou outro hóspede. — Eu próprio não poderei ir tranquilo
se este assunto não se decidir.
—As
senhoras esperarão aqui — anunciou o anfitrião. E entrou na sala de jantar.
Ainda
não tinha transposto a porta quando seus olhos se fixaram no rosto pálido de
lorde Clifford. Este, isolado do grupo, parecia estar sob o peso de um profundo
fundo golpe. No vasto refeitório, não existia senão esse rosto pálido, de olhar
alucinado, cujos traços finos se descompunham de terror.
A
cena era tão triste que lorde Sedgwick se reprovou por ter reclamado a moeda.
Mas tudo já estava tão adiantado que era materialmente impossível desistir da
busca. Tanto era assim que o senhor Blacke, o hóspede de mais importância
aquela noite, já se dispunha a esvaziar os bolsos e deixar-se revistar.
—E
agora, meu querido lorde Sedgwick, tenha a gentileza de comprovar o senhor próprio
que minha roupa não possui bolsos secretos.
Lorde
Sedgwick, como que dominado pelo pedido autoritário do velho senhor, fez o que
ele exigia. Depois disse laconicamente:
—Não
encontrei nada nos bolsos deste cavalheiro.
E
os olhares dos presentes passaram da imponente figura de Blacke à de Clifford.
Tinha este o aspecto de uma pessoa que se vê obrigada, contra sua vontade, a submeter-se
a algo muito desagradável. De pálido pusera-se lívido. Uma atmosfera de
pesadelo flutuava no salão. Para abreviar essa situação desagradável, na qual
aparecia implícita a confissão, um dos presentes se adiantou. Mas não bem
pusera a mão à altura do bolso, lorde Clifford disse com voz alterada:
—Senhores,
não duvido que a proposta seja cortês e justa, mas para que tenha verdadeiro
valor é necessário que seja cumprida por todos nós. E eu...
Deteve-se.
Sua lividez tinha desaparecido.
—E
eu — acrescentou — não estou disposto a submeter-me a uma prova que considero
muitíssimo humilhante. Nossa palavra devia ser suficiente, e, por mim, afirmo
que não furtei a moeda...
Calou-se
um instante e olhou para lorde Sedgwick com tal silenciosa imploração que este
se sentiu comovido.
— Os jovens trazem frequentemente nos bolsos
fotografias ou cartas que poderiam comprometê-los. É natural que lorde Clifford
se oponha a revelar seus segredos pessoais — interveio Hammerseley. — Escute,
Clifford: você não pode sair desta casa desta maneira. Se quer, pode afastar-se
com lorde Sedgwick, e nós aguardaremos aqui o resultado da busca.
—Não,
eu não tenho nada que fazer nesta casa. Boa noite, senhores.
Ao
pronunciar essas palavras, o jovem saiu com a cabeça altaneiramente erguida.
Uma hora depois, logo que o valete Albert lhe mostrou a moeda encontrada numa
fresta, entre duas mesas do refeitório, lorde Sedgwick dizia ao velho Blacke:
—Temos todos nós a obrigação moral de ir esta
noite em busca de lorde Clifford e apresentar-lhe nossas escusas. Embora sem
confessá-lo, todos nós pensamos que ele fosse o culpado.
—É
verdade — concordou Blacke. — E eu em primeiro lugar.
O
carro do financista, levando a este e a lorde Sedgwick, moveu-se rapidamente
para a casa na qual o jovem Clifford recebera, até bem pouco tempo, os seus
amigos.
—Lord
Clifford já não mora aqui — disse o porteiro, e só depois de uma boa gorjeta
deu a direção do novo domicílio do rapaz.
Para
lá se dirigiram os dois cavalheiros e se acharam em frente do mesmo caso:
viram-se obrigados a desembolsar outra gorda quantia para destravar a língua do
porteiro. Depois de muito andar, acharam-se metidos em um labirinto de ruas
pobres e sujas.
—Não
é possível que tenha caído tanto — disse lorde Sedgwick, presa de profunda
emoção.
—Temos
que subir lá em cima? — perguntou o senhor Blacke, olhando para um altíssimo
casarão.
—Temos
que encontrá-lo, embora para isso percamos uma noite de sono.
Subiram
uma interminável escada, até onde havia uma porta sem a indicação do nome do
locatário.
—Vejo
luz — disse lorde Sedgwick. — Vamos bater.
A
porta se abriu e no vão apareceu o próprio lorde Clifford, que, com voz tranquila,
disse:
—Boa noite, senhores. Por certeza encontraram
a moeda e veem-me dizer, não? Obrigado. Tenham a bondade de entrar.
Era
uma casa paupérrima. Sobre uma mesa, ao lado da garrafa de água, havia dois
pedaços de pão. O jovem tomara já o seu aspecto desenvolto.
Quando
percebeu que lorde Sedgwick olhava a mesa, exclamou:
—O
senhor, por certo, não explica a presença deste pão. Eu o furtei de sua mesa e
não foi o único que subtraí. Não comia há vinte e quatro horas e, quando me sentei
à sua mesa, não tinha lá muita certeza de que amanhã poderia comer novamente.
Em presença de antigos e comuns amigos, era humanamente impossível que eu
revelasse minha condição...
Calou-se
e passou uma mão sobre a fronte. Depois continuou:
—Pedir
ajuda a algum amigo? Solicitar um empréstimo do qual eu próprio saberia que não
poderia, nunca, pagar? Um lorde não faz isso. Há seis meses que me oculto, e
evito os amigos. Agora, os senhores sabem a verdade e já não tem ela muita
importância. Dentro de algumas semanas deixarei Londres. Mas até que o navio
não me leve para longe, desejo que todos julguem que sou ainda aquele lorde
Clifford que conhecem há anos.
Fonte: A Noite
Ilustrada, edição de 31 de agosto de 1943.
Traduzido e adaptado
por autor desconhecido do século XX.
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