O CANDELABRO - Conto de Anton Tchekhov
O CANDELABRO
Anton
Tchekhov
(1860
– 1904)
Trazendo
debaixo do braço um objeto envolvido no número 23 das "Novidades da
Bolsa", Sasha Smirnov, filho único, assumindo um ar muito grave, entrou no
gabinete do dr. Kochelkov.
—
Olá, meu caro rapaz — exclamou o médico. — Então, como vamos? Que conta de
novo?
Sasha
piscou, levou a mão ao peito o declarou com voz comovida:
—
Mamãe envia-lhe suas saudações, Ivan Nikolaievitch, e me encarregou de
agradecer-lhe... Sou filho único e o senhor me salvou a vida... O senhor me
curou de uma doença perigosa e nós não sabemos como provar nossa gratidão.
—
Ora, esqueça-se disso, meu rapaz — interrompeu o doutor. Fiz o que outro
qualquer teria feito em meu lugar.
—
Sou o único filho de mamãe... Nós somos pobres e seguramente não estamos em
condições de poder pagar-lhe seus cuidados. Isso nos tortura, doutor, se bem
que, por outro lado, supliquemos, minha mãe e eu, seu filho único, que o senhor
aceite este candelabro, essa extraordinária obra de arte...
—
Para que isso?
—
Não. Peço-lhe. Não recuse. Sua recusa nos magoaria... É um belo objeto, em
bronze antigo. Ele nos vem do meu falecido pai e nós o guardamos como uma
lembrança muito cara... Papai comprava bronzes velhos e os revendia aos
amadores. Agora mamãe e eu continuamos seu pequeno negócio...
Sasha
desembrulhou o objeto colocou-o sobre a mesa. Era um candelabro, de tamanho
médio, em bronze antigo, artisticamente trabalhado. Representava um grupo:
sobre um pedestal, erguiam-se duas figuras femininas, com as roupas de Eva, em
poses que eu não saberia descrever por falta de audácia e de temperamento
necessários. Essas figuras sorriam vaidosamente, com um ar tão desavergonhado
que, ao que parece, não fosse uma obrigação sustentar o castiçal, elas teriam
pulado fora do pedestal para se entregar a uma bacanal que nem é bom imaginar.
Contemplando o presente, o doutor coçou a orelha, tossiu e disse:
—
Hum... É de fato um belo objeto. Mas... Como direi? É... muito... muito livre,
não é verdade? Bem é decotado... é pior!
—
Por que razão?
—
A serpente não poderia ter imaginado nado nada de mais perturbador. Colocar
essa alegoria sobre a mesa seria macular todo o apartamento!
—
Que estranha concepção da arte o senhor tem, doutor! — disse Sasha, ofendido. —
É uma obra de arte, olhe-a bem! Essa beleza e essa elegância enchem a alma de
veneração e produzem um nó na garganta... Contemplando essa perfeição, a pessoa
esquece o mundo. Veja que movimento! Que finura de expressão!
—
Compreendo muito bem tudo isso — disse o doutor. — Mas eu tenho família, as
crianças brincam aqui frequentemente, senhoras entram neste gabinete...
—
Sem dúvida, se a pessoa se coloca sob o ponto de vista vulgar, essa obra-prima
apresenta um outro aspecto. Mas doutor, eleve-se acima do vulgar. Aliás, sua
recusa desolaria a mim e a mamãe. Sou filho único... o senhor me salvou a
vida... Nós damos ao senhor o que temos de mais caro e... e eu sinto tanto que
não tenhamos o outro candelabro que forma o par para lhe oferecer...
—
Obrigado, meu rapaz, eu lhe sou infinitamente grato. Meus cumprimentos à
senhora sua mãe. Mas pense bem: as crianças brincam aqui... senhoras vêm
aqui... Enfim, conservo-o. Fico com ele. Impossível explicar a você as razões
de... de...
—Não
há nada a explicar... — disse Sasha, alegre. — Coloque o candelabro aqui, perto
do vaso. Ah, que pena não tenhamos o par! Até à vista, doutor!
Depois
da saída de Sasha, o doutor contemplou durante bastante tempo o candelabro, coçou
novamente a orelha e meditou:
—
É um objeto bonito, não há dúvida... Pena ter que me desfazer dele. Impossível
conservá-lo em casa... A quem poderia oferecê-lo?
Depois
de refletir longamente, ele lembrou-se de seu amigo Kripounov, a quem devia
favores.
—
Ótimo — disse o doutor. — Vou levar-lhe esta obra do demônio... Ele é
celibatário e leviano...
Incontinenti,
o doutor vestiu-se, tomou o candelabro e dirigiu-se à casa de Kripounov.
—
Olha, meu velho amigo! — disse, tendo encontrado o advogado em casa. — Eis-me
aqui para agradecer a você os serviços que lhe devo. Você se recusa a aceitar
dinheiro. Aceite, então, essa bagatela... Ei-la, meu caro...
O
advogado entusiasmou-se com a bagatela.
—Ah!
Onde encontrou isso? Aí tem com que fazer um santo perder a santidade! É
maravilhoso, encantador! Onde você descobriu isso?
Tendo,
desta forma, demonstrado o entusiasmo, ele lançou um olhar inquieto em direção
à porta e disse:
—
Mas eu não quero isso. Leve isso, meu amigo.
—
Por quê?
—
Porque... Eu recebo minha mãe aqui... e... e as clientes... e tem a criada. É
embaraçoso. Leve isso.
—
Não! Não! Não permito que você o recuse! Seria pouco amável da sua parte! Uma
obra de arte! Olhe bem... Essa expressão, essa finura... Você me ofende!
—
Mas, se elas ao menos tivessem uma folha de parreira...
Mas
o doutor gesticulou ainda mais e desapareceu, deixando na casa de Kripounov o
presente.
O
doutor estava multo satisfeito consigo mesmo. Depois que ele saiu, o advogado
examinou o candelabro, apalpou-o e, da mesma forma que o doutor, pensou como
poderia livrar-se dele.
—
É um lindo objeto. É uma pena ter que me desfazer dele. Mas é muito
inconveniente, não há dúvida... O melhor é dar de presente a alguém... Esta
noite irei oferecê-lo ao ator Chamekine. O folgazão gosta de objetos deste
gênero. E como hoje há um espetáculo em sua honra...
Dito
e feito. O candelabro, cuidadosamente embrulhado, foi presenteado a Chamekine,
o grande ator. Toda aquela noite seu camarim ficou cheio de rapazes que
admiravam o presente. Era um rumor de risos constante. Quando uma atriz
perguntava "posso entrar?", Chamekine respondia desesperado:
"Não! Não estou vestido". Mas ele estava vestido. Quem não estavam
vestidas eram as mulheres do candelabro. Após o espetáculo, Chamekine perguntou
ao homem que o maquilava:
—
Como ver-me livre desse objeto? Moro numa pensão familiar e... Enfim, o
candelabro não é uma fotografia que a gente esconda dentro de uma gaveta...
O
homem retrucou:
—Venda-o.
Eu conheço justamente uma velha que faz negócios com bronzes antigos... Olhe,
procure a loja de Mme. Smirnov... Todo mundo a conhece.
O
ator seguiu o conselho do maquilador.
Dois
dias mais tarde, o dr. Kchelkov meditava no seu gabinete, quando a porta se
abriu e entrou Sasha Smirnov. O moço sorria feliz. Trazia um objeto envolto num
jornal.
—Doutor
— começou, com a respiração curta —, imagine o nosso prazer... Por felicidade,
conseguimos adquirir o candelabro que estava faltando para completar o par...
Mamãe está radiante. E eu, seu filho único, também. O senhor me salvou a
vida... Pois tome, doutor, tome...
Sasha,
tremendo de reconhecimento, colocou o candelabro diante do douto. Este, abrindo
a boca, tentou falar, mas havia perdido a voz.
Tradutor desconhecido
do século XX. Fizeram-se adaptações textuais.
Fonte:
“Revista da Semana”, edição de 21 de julho de 1945.
Comentários
Postar um comentário