O HÁBIL DETETIVE - Conto de O. Henry
O HÁBIL DETETIVE
O. Henry
(1862 – 1910)
Meses
atrás, Thomas Keeling instalou um pequeno escritório detetivesco. Ofereceu seus
serviços ao público em condições bastante modestas. Não aspirava a eclipsar a
glória de Nick Carter, pois preferia trabalhar por caminhos menos arriscados.
Se
um patrão desejava indagar os hábitos de um empregado, ou uma senhora queria
investigar as idas e vindas de um marido um tanto alegre, Keeling era o homem
indicado. Homem de princípios, tranquilo e estudioso. Lia Gaboriau e Conan
Doyle[1] e
esperava galgar algum posto mais elevado em sua profissão. Três dias depois de
inaugurado o escritório, apareceu uma jovem de vinte e cinco anos, mais ou
menos, alta, esbelta e bem vestida. Usava um véu finíssimo que tirou ao ocupar
a cadeira que Keeling lhe ofereceu. Seu rosto era distinto e delicado. Tinha olhos
vivos e maneiras levemente nervosas.
—
Vim vê-lo, senhor — disse com uma suave (mas um pouco triste) voz de contralto
—, porque é relativamente estranho nesta cidade e me seria impossível tratar de
assuntos particulares com algum de meus amigos. Desejo que vigie os movimentos
de meu marido. Por humilhante que essa confissão seja para mim, acho que não
tenho mais o seu amor. Vivemos cinco felizes anos de casamento, mas, recentemente,
uma jovem, que meu marido conhecera em solteiro, mudou-se para esta cidade e
tenho razões para suspeitar que lhe dedica as suas atenções. Quero que o vigie
e virei aqui saber o que descobriu. Sou a Sra. Randall. O meu marido, que é
muito conhecido, é dono de uma pequena joalheria na Rua dos Álamos. Aqui tem
algum dinheiro por conta dos seus honorários.
Keeling
tomou o dinheiro e assegurou à jovem que cumpriria os seus desejos ao pé da
letra. E pediu-lhe que voltasse dois dias mais tarde, às quatro horas, para
receber a primeira informação.
No
dia seguinte, realizou as primeiras investigações. Descobriu a joalheria, onde
entrou sob o pretexto de mandar consertar o vidro do relógio. Randall, o
joalheiro, era um homem de trinta e cinco anos, aproximadamente, e de modos
tranquilos. Sua loja era pequena, mas bem sortida de relógios, diamantes e
joias. Outras pesquisas permitiram Keeling verificar que Randall era um homem
de bons costumes, não bebia nunca, e trabalhava continuamente na loja.
Keeling
espreitou durante várias horas as proximidades da loja e recebeu sua recompensa
quando viu entrar nela uma jovem morena. Aproximou-se da porta, de onde podia
observar todo o interior. A jovem entrou sem cerimônia alguma e, inclinando
familiarmente, falou com Randall. Por fim, o joalheiro entregou-lhe algumas
moedas. A moça saiu e foi andando rua abaixo.
A
cliente de Keeling apresentou-se no escritório para saber dos resultados. O
detetive contou-lhe ao que assistira.
—
É ela — disse quando Keeling lhe descreveu a moça atrevida que entrara na loja.
— Atrevida! E Charles dando-lhe dinheiro! Nunca pensei que isso me
acontecesse...
E
levou um lenço os olhos para conter as lágrimas.
—
Sra. Randall — disse o detetive —, o que deseja agora que eu faça?
—
Quero que ver com meus próprios olhos para convencer-me. Também preciso de
testemunha para o processo do divórcio. Não suportarei mais esta vida.
No
dia seguinte, quando ela voltou ao escritório de Keeling, este lhe disse:
—
Estive esta tarde na joalheria sob um pretexto qualquer. A jovem estava lá, mas
não ficou muito tempo. Antes de partir disse: “Charlie, esta noite teremos um
jantar especial, como você pediu. Depois voltaremos aqui e conversaremos,
enquanto você termina o trabalho deste broche de brilhantes". Esta noite,
senhora Randall, lhe proporciona uma boa oportunidade para agir.
—
Canalha! — gritou a jovem com os olhos relampagueando. —Disse-me que esta noite
tinha que ficar fora até tarde para um trabalho importante. E é deste modo que
passa o tempo longe de mim!
—
Sugiro — disse o detetive — que a senhora se esconda na loja para ouvir o que
disserem. Quando tiver ouvido bastante, pode chamar as testemunhas e acareá-las
com seu marido.
—
Muito bem. Penso que o policial que fica nas proximidades é um velho conhecido
de minha família. O senhor podia explicar-lhe o assunto e, quando eu tiver ouvido
o suficiente, o senhor e ele podem aparecer como testemunhas.
—
Falarei com ele — disse o detetive. — Venha aqui depois de escurecer e
combinaremos tudo para pegá-los.
O
detetive procurou o policial e explicou-lhe tudo.
—
É curioso —disse este. — Não sabia que o Sr. Randall andasse com essas coisas.
Não se pode pôr as mãos no fogo por ninguém. De modo que sua esposa quer
esconder-se na joalheria e ouvir o que dizem... Há um pequeno quarto do fundo,
onde Randall guarda caixas e papéis. A porta está fechada à chave,
naturalmente, mas, se o senhor conseguir que a moça entre ali, poderá
esconder-se em qualquer canto. Não gosto de meter-me nestes assuntos, mas
simpatizo com ela. Conheço-a desde que era menina.
Ao
escurecer, a cliente do detetive entrou apressadamente no escritório. Vestia-se
de preto, com simplicidade e tinha um véu no rosto.
—
Se Charlie me visse —disse —, não me reconheceria.
Foram
para perto da joalheria e viram, às oito horas, a jovem entrar na loja. Imediatamente
depois, saiu com Randall, de braço dado e ambos se afastaram rapidamente. O
detetive sentiu que o braço da moça tremia.
—
Bandido! — disse com amargura. —Julga-me em casa, esperando-o como uma boba, enquanto
sai com esta mulherzinha! Ah, como os homens são pérfidos!
Keeling levou sua cliente à porta de trás da
casa. Não lhes custou forçar a porta e entrar.
—
Na loja — disse a moça —, perto do banco em que meu marido trabalha, há um pano
que chega até o chão. Se me escondesse ali, eu poderia ouvir tudo.
Keeling
tirou o molho de chaves ao bolso e, em pouco, encontrou uma que abria a porta
da joalheria, onde brilhava uma luz pálida. A moça disse, entrando na loja:
—
Vou fechar esta porta por dentro e quero que o senhor siga meu esposo. Veja se
estão jantando e, quando regressar, avise-me com três pancadinhas na porta. Depois
que eu tiver ouvido a conversa, abrirei e nós enfrentaremos os culpados. Quero
que o senhor esteja a meu lado para proteger-me.
O
detetive foi procurar o joalheiro e sua companheira. Viu que jantavam num
tranquilo restaurante das proximidades. Quando viu que saíam, Keeling correu
para a porta posterior e deu três pancadinhas.
Poucos
minutos depois, o joalheiro entrou acompanhado da moça e Keeling viu que a luz
brilhava mais intensamente. Voltou então à rua e pôde ver Randall, através da
vitrine, trabalhando, e a jovem sentada ao seu lado.
Keeling,
para dar-lhes um pouco de tempo, encaminhou-se até a esquina. Ali encontrou o
policial, a quem disse que a Sra. Randall estava escondida na joalheria e que o
plano ia às mil maravilhas. Voltaram juntos e o guarda lançou um olhar pela
vitrine.
—
Parecem entender-se muito bem — disse ele. — Onde está a outra mulher?
—
Como? Sentada a seu lado, não vê?
—
Pergunto pela moça que Randall levou para jantar.
—Mas
não estou dizendo...
—
Parece que estamos confusos — disse o guarda. — Conhece esta mulher ali?
—
Pois é a mulher com que Randall foi jantar.
—
Pois é a esposa de Randall. Há quinze anos que a conheço.
—
Então... quem?... — balbuciou o detetive. — Deus Todo-Poderoso, quem está em
baixo do pano?
Keeling
bateu na porta da loja. Randall veio abrir e ele e o guarda entraram.
—
Olhem debaixo da mesa, depressa, gritou o detetive.
—
O policial se inclinou e tirou um vestido negro, um véu e uma peruca.
—
Essa... essa senhora... é sua esposa? — Perguntou Keeling, apontando para a
jovem de olhos escuros que o olhava com inexprimível surpresa.
—
Naturalmente, respondeu o joalheiro. —Agora explique-me que diabo quer dizer tudo
isso.
—
Procure suas joias, Sr. Randall — disse o guarda, que começava a compreender a
situação.
As
joias e os relógios roubados importavam numa boa quantia, que, no dia seguinte,
o detetive pagou com o último centavo de suas economias.
Nesta
mesma noite, Keeling, no escritório, pôs-se a revistar algumas fotografias de
ladrões conhecidos. Por fim encontrou uma. Sob a fotografia de um jovem de
traços delicados, dizia a inscrição:
"James H. Miggles, aliás, ‘Simon’ ou ‘A Viúva
Chorona’, ou ‘Himmy, o Suave’, escroque e ladrão. Trabalha geralmente com
disfarces femininos. Muito agradável e perigoso. A polícia o procura em vários
Estados".
Por
essas razões, Keeling abandonou sua agência de detetive.
Fonte:
“Carioca”,
edição de 7 de abril de 1945.
Tradução
de autor desconhecido do século XX.
[1]
Émile Gobariou (1832 – 1873), escritor francês, foi um dos primeiros autores da
ficção policial. O escocês Atrhur Conan Doyle (1859 – 1930) é o criador do
célebre detetive Sherlock Holmes.
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