TRÊS CONTOS BREVES - Khalil Gibran Khalil
TRÊS CONTOS BREVES
Khalil Gibran Khalil
(1883 – 1931)
Tradução
de Paulo Soriano
OS DOIS HOMENS SÁBIOS
Outrora,
viviam na antiga cidade de Afkar dois homens sábios que odiavam e menosprezavam
a erudição um do outro. Isto era assim porque um deles negava a existência dos
deuses, enquanto o outro acreditava que os deuses existiam.
Certo
dia, encontraram-se os dois no mercado e, em meio a seus seguidores, começaram
a debater e a discutir sobre a existência ou a não-existência dos deuses.
Depois de horas de contendas, eles se separaram.
Naquela
noite, o homem incrédulo rumou ao templo e, prostrando-se diante do altar, orou
aos deuses, rogando-lhes que lhe perdoassem o passando rebelde.
E,
naquela mesma hora, o outro erudito, que sustentava a existência dos deuses,
queimava seus livros sagrados: havia se tornado um incrédulo.
AS TRÊS FORMIGAS
Três
formigas se encontraram no nariz de um homem que dormia ao sol. Depois que se
cumprimentaram, cada uma, em conformidade com o costume de seu clã, começaram a
conversar.
A
primeira formiga disse:
—Estas
colinas e planícies são as mais estéreis que eu já conheci. Procurei o dia todo
um grão de qualquer espécie, mas nada há a ser encontrado.
Disse
a segunda formiga:
—
Também nada encontrei, embora eu tenha esquadrinhado cada canto e clareira.
Estamos — creio eu — no lugar que o meu povo chama de terra tenra em movimento,
onde nada cresce.
Então
a terceira, erguendo a cabeça, disse:
—
Minhas amigas, estamos agora no nariz da Formiga Suprema, a formiga poderosa e
infinita, cujo corpo é tão extenso que não podemos contemplá-lo, sua sombra é
tão vasta que não podemos rastreá-la, e sua voz é tão potente que não podemos
escutá-la. E ela é onipresente.
Quando
a terceira formiga terminou de falar, as demais se entreolharam e riram.
Naquele
instante, o homem se mexeu e, durante o sono, ergueu a mão e coçou o nariz. E
as três formigas foram esmagadas.
O
OLHO
Certo
dia, o Olho disse:
—
Eu vejo, além desses vales, uma montanha coberta de névoa azul. Não é linda?
O
Ouvido escutou o que o Olho dizia e, depois de prestar atenção por algum tempo, disse:
—Mas,
onde está a tal montanha? Eu não a ouço.
Então,
a Mão disse:
—Estou
tentando, em vão, senti-la e tocá-la. Mas não consigo encontrar montanha
nenhuma.
E
o Nariz disse:
—Não
existe montanha. Eu não consigo sentir o cheiro dela.
Então
o Olho virou para o lado e todos os demais começaram a conversar sobre a ilusão
do Olho. Disseram:
—Deve
haver algum problema com o Olho...
Ilustração: Rudolf
Ernest (1854 – 1932).
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