UM BANDIDO GALANTE - Conto de Prosper Mérimée
UM BANDIDO GALANTE
Prosper Mérimée
(1803 – 1870)
Celebrava-se
um casamento nos arredores de Andujar.
Os
noivos já tinham recebido os cumprimentos de seus amigos. Era a ocasião de irem
todos para a mesa, preparada à sombra de uma grande figueira defronte de casa.
Cada
um dos convivas estava com a melhor disposição. Os aromas dos jasmins e das
laranjeiras floridas misturavam-se agradavelmente com o cheiro que exalava dos
pratos que enchiam as mesas.
De
repente, aparece um homem a cavalo, saído de uma pequena mata próxima de cada.
Apeou-se destramente, saudou as pessoas presentes e conduziu o animal à
estribaria.
Não
se esperavam mais outros convidados. Todavia, na Espanha, qualquer viajante é
sempre bem-vindo num jantar de festas.
Além
disso, pelo seu vestuário, o estranho parecia ser gente de importância e o
noivo adiantou-se para recebê-lo.
Enquanto
uns perguntavam aos outros quem seria aquele recém-chegado, o escrivão de
Andujar empalidecia como um defunto. Procurava levantar-se de sua cadeira ao
lado da noiva, mas as pernas não lhe permitiam: estavam enfraquecidas.
Um
dos convidados desconfiou de que se tratasse de algum contrabandista e
perguntou ao recém-casado quem era aquele homem.
—É
o José María e, ou eu me engano muito ou ele veio aqui para fazer alguma desgraça.
Decerto, é o escrivão quem ele procura, mas, o que se há de fazer? É impossível
dar-lhe escapatória. José María logo o agarra. Prender este marido? Mas a sua
quadrilha pode estar por perto. Ele conduz armas na cintura, as inseparáveis
pistolas e a adaga.
—
Oh, senhor! E o que lhe fez o escrivão?
—Nada,
absolutamente nada.
Alguém
segredou logo ali que o escrivão avisara ao seu rendeiro, havia dois meses, que
quando José María aparecesse pedindo de beber, deveria colocar uma certa dose
de arsênico no vinho.
Conversava-se,
ainda antes de servir a olla, quando
o estranho reapareceu acompanhado pelo noivo.
Não
restava dúvida: era mesmo o José María que, de passagem, lançou um olhar feroz
para o escrivão, já trêmulo, como se estivesse com calafrios.
O
bandido cumprimentou a noiva com toda gentileza e pediu licença para dançar em
sua festa.
Ela
não teve ânimo de recusar nem fazer casa feia. José María tomou então um banco,
chegou-se para a mesa e ficou bem ao lado da noiva e do escrivão, que a cada
momento parecia que ia desmaiar.
Precipitou-se
a comer. E o bandido estava que era só atenções e cuidados pela sua vizinha de
mesa.
Quando
foi servido o vinho especial, a noiva segurou o copo de mantilla, vinho ainda mais fino que o xerez, levou-os aos lábios e
transmitiu-o ao bandido.
Tal
é uma cortesia que se costuma fazer às pessoas estimadas. Chamava-se “uma
fineza”. Infelizmente, este costume está desaparecendo da fina sociedade, que
muito se esforça em desfazer-se dos costumes nacionais.
José
María recebeu o copo, agradeceu com afetuosa efusão e declarou à noiva que ela
quisesse considerá-lo como seu servidor, obediente e satisfeito em cumprir o
que lhe fosse determinado.
Ela,
então, toda trêmula, inclinou-se ao ouvido de seu terrível vizinho e disse:
—Faça-me
um obséquio.
—Mil
— respondeu José María.
—
Esqueça, eu lhe suplico, as más intenções com que veio aqui. Prometa-me que,
pela simpatia que tem por mim, perdoará os seus inimigos e que nenhum escândalo
promoverá em meu casamento.
—
Escrivão — proferiu José María, voltando-se para esse representante da lei, que
estava lívido de medo —, agradeça a esta senhora. Não fosse a sua intervenção,
e eu o mataria antes que tivesse tempo de digerir o jantar. Não tenha mais
receio. Mal nenhum eu o farei.
E,
entornando o vinho no seu copo, acrescentou um riso maligno:
—Viva
o Sr. Escrivão! Beba à minha saúde! O vinho é bom. Não está envenenado.
O
infeliz pensava estar engolindo alfinetes.
—
Salve, moças! — exclamou o bandido. — Viva os noivos!
Durante
o resto do banquete e no baile mostrou-se de tal sorte amável que as mulheres,
quase todas, tinham os olhos umedecidos de lástima ao pensar que um rapaz tão
galante acabaria justiçado.
Ele
dançou, cantou, foi amável com todos os comensais naquela festa.
Cerca
de meia-noite entrou uma menina de doze anos muito andrajosa, aproximou-se de
José Maria e lhe falou na gíria dos ciganos. Ouvindo-a, ele sobressaltou-se,
correu à estrebaria, donde voltou conduzindo o seu cavalo e dirigiu-se à noiva,
a quem disse:
—Adiós, hija de mi alma, jamais me
esquecerei dos instantes que aqui passei. Foram os mais felizes que tive desde
tantos anos! Tenha a bondade de aceitar esta bagatela oferecida por um
pobre-diabo que desejava possuir uma mina para lhe dar.
E
presenteou-a com um lindo anel.
—José
María — disse admirada a noiva —, enquanto houver pão nesta casa, a metade lhe
pertence.
O
bandido apertou a mão de todos os convidados, e até mesmo a do escrivão,
abraçou as senhoras e destramente saltando para o selim, voltou para as
montanhas.
Só
então é que o escrivão respirou livremente.
Meia
hora depois, apareceu um destacamento de praças, mas ninguém viu o homem que
era procurado.
Tradução de autor
desconhecido.
Fonte: Jornal do
Recife, edição de 30/11/1898
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