STELLINA - Conto Trágico - Benito Vicetto
STELLINA
(Balada)
Benito
Vicetto
(1824
– 1878)
Tradução
de Paulo Soriano
A
poucas milhas de Nápoles há um castelo triste e sombrio, açoitado pelo vento e
oculto por espessas névoas.
Este
colossal edifício — negro e gigantesco —, incrustado entre elevados rochedos, é
o castelo de San Giovanni.
O
conde é o seu senhor absoluto. Um conde jovem e valente, como um donzel da
Idade Média, soberbo e fogoso como seu alazão de batalha.
O
conde Rugiero tem uma irmã bela como um anjo de Lawrence[1],
como a Virgem da Glória de Rafael[2].
São
duas horas da manhã. Nem uma luz brilha no céu e na terra. Todavia, não é
completa a escuridão... Os morros e as planícies estão cobertos de neve e ao
seu redobrado reflexo divisa-se a mais insignificante árvore, a mais oculta
rocha.
Esta
claridade é tão sublime, tão estranha... Esta luminosidade magnífica, cheia de
mistério e poesia, que não pertence nem ao Sol nem à Lua, nem ao crepúsculo nem
à aurora, derrama sobre o castelo de San Giovanni uma tonalidade tão melancólica
que lhe faz parecer um destes fantasmas colossais das lendas a agitar o sudário
de prata para lançar-se entre as ondas.
Stellina
está em uma das janelas do castelo, sozinha e pensativa, vestida de branco e
fitando ternamente o mar. Stellina parece uma fada, um anjo entre nuvens iridescentes.
Longe,
muito longe, como um ponto negro entre esverdeadas ondas, um ligeiro barco, que
mal se divisa, segue em direção à fortaleza.
Stellina
reprime um grito de alegria ao vê-lo; em seguida, deixa cair uma lágrima.
O
barco já está próximo do castelo. Nele, vê-se um jovem solitário. Traz um gorro
de veludo negro com penas brancas, longos cachos ondulam sob o impulso da
errante brisa do mar e, meio oculta em sua curta capa de cor de sangue, vê-se
uma lira.
Stellina
reconhece Leoncio, seu querido trovador.
Ouve-se
um canto triste, lastimoso... Um canto estranho, magnífico, misterioso.
A
voz sai do castelo... Os ecos da lira que acompanha a voz saem do mar.
Este
cântico parece uma despedida do mundo. Um cântico de morte! É tão triste!
E
cessa a canção. Stellina suspira e desce da janela por uma escada de seda.
Leoncio a recebe em seus braços.
Eles
trocam palavras de ternura. Entram no barco, infla-se a branca vela e logo
deixam o castelo.
Um
grito rouco e gutural, um grito de raiva sai das rochas, e, ao mesmo tempo, um
guerreiro aparece sobre ela, brandindo a sua terrível espada.
Era
o conde Rugiero!
Os
dois amantes respondem com outro grito de surpresa ao reconhecê-lo.
O
conde arroja o seu capacete com rudez, peça por peça a sua armadura, e se
precipita ao mar, em perseguição aos fugitivos.
—Traidor!
Traidor! — balbucia, sorvendo aos borbotões a água salgada, e por instantes se aproxima do barco.
—Leoncio!
Meu Leoncio! — exclama Stellina, estreitando o trovador entre os seus braços.
Já
não há remédio... Encontraram-se!
Rugiero
estende a mão para firmar-se à extremidade do barco. Leoncio toma o alaúde e o
impele contra a cabeça do conde.
Débil
defesa!
O
alaúde se faz em pedaços... A mão do conde pousa sobre a borda do barco e uma
onda se lhe adentra.
Rugiero
não havia soltado a sua espada. Põe-se em pé com ligeireza e mergulha o aço até
o guarda-mão no peito do amoroso cantor.
A
jovem dá um grito e cai. A vertigem do terror a deixa como um cadáver.
—Stellina!
Até o céu! — murmura Leoncio, sepultando-se no mar...
O
barco volta ao castelo... Sobre as ondas flutua uma capa da cor de sangue... Mais
além, um gorro de veludo negro com penas brancas... Entre estes objetos, boiam
os pedaços de uma lira.
Stellina
vai voltando a si. Fixa os olhos em seu irmão e, com um sorriso histérico e
fatídico, diz:
—Stelinna!
Até o céu!
Rugiero
cala.
Volta
novamente Stellina a derramar outra gargalhada ao dizer as mesmas palavras.
Rugiero
continua calado.
Stellina
está louca.
*
A
poucas milhas de Nápoles há um castelo triste e sombrio, açoitado pelo vento e
oculto por espessas névoas.
Num
torreão deste castelo vê-se assomar, todos os dias, uma mulher pálida e
desalinhada... Com os cabelos soltos... As pupilas inflamadas...
Ao
pé deste torreão, muitos meninos do Piconnovo atiram pedras à infeliz cada vez
que esta, fazendo gestos desesperados, grita, com diabólica entonação: “Stelinna! Até o céu”.
Fonte: “Semanario
Pintoresco Español”, edição de 27 de julho de 1945, nº 30.
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