OS DOIS CONSOLADOS - Conto de Voltaire
OS
DOIS CONSOLADOS
Voltaire
(1694
– 1778)
Tradução
de M. C.
O
grande filósofo Citófilo dizia, certo dia, a uma dama desolada, que tinha
muitas razões para estar assim:
—
A rainha da Inglaterra, filha do grande Henrique IV, foi tão desventurada
quanto a senhora: expulsaram-no do trona, esteve na iminência de perecer no
oceano sob a fúria das tempestades e viu o seu marido no patíbulo.
—
Lamento por ela — disse a dama.
E
se pôs a chorar os seus próprios infortúnios.
—
Lembre-se de Maria Stuart — atalhou Citófilo. — Ela amou com grande honestidade
um elegante músico que tinha uma grande voz. O seu marido matou o músico em sua
presença. E, depois, sua boa amiga Elisabete, que se dizia virgem, mandou-lhe
cortar a cabeça sobre o cadafalso forrado de negro, após dezoito anos de
cativeiro.
—
Isso é muito cruel — respondeu a dama.
E
novamente mergulhou em sua melancolia.
—Talvez
a senhora tenha ouvido falar — disse o filósofo consolador — da bela Joana de
Nápoles, que foi presa e estrangulada, não?
—
Lembro-me confusamente — respondeu, aflita, a senhora.
—
É preciso que lhe conte — acrescentou o outro — a aventura de uma soberana que
em minha mocidade, depois de um jantar, foi destronada e faleceu em uma ilha
deserta.
—
Conheço toda essa história — replicou a dama.
— Pois
bem: vou contar-lhe o que aconteceu a outra princesa a quem ensinei filosofia.
Tinha um namorado, assim como todas as grandes e belas princesas. Seu pai
penetrou na alcova e surpreendeu o namorado, que tinha o rosto ardente e os
olhos resplandecentes como diamantes. A dama também tinha o rosto muito
enrubescido. O rosto do jovem pareceu tão repulsivo ao pai da princesa que o
velho monarca lhe aplicou a maior bofetada que se deu em sua província. O
namorado, lançando mão de uma tenaz, partiu a cabeça do velho que, curada,
ainda exibia a cicatriz daquela ferida. A namorada, consternada, saltou pela
janela e quebrou uma perna; de maneira que, ainda hoje, coxeia visivelmente,
por mais que o disfarce e a despeito de seu porte admirável. O namorado foi
condenado à morte por haver quebrado a cabeça de tão alto príncipe. Imagine,
agora, o estado da princesa quando levavam o seu amado à forca. Eu a visitei
durante um bom tempo enquanto ele estava na prisão. Só falava nas suas
desventuras.
—
Por que não quer, então, que eu pense nas minhas? — disse-lhe a dama.
—
É — respondeu-lhe o filósofo — porque não há razão para pensar em desventura, e
porque, sendo tantas as damas infelizes, a senhora não deve desesperar-se.
Pense em Hécuba, em Nicolice...
—
Ah! — disse a dama. — Se eu tivesse vivido nos tempos dessas últimas
mulheres, ou na de tão formosas
princesas, e se, para consolá-las, o senhor lhes contasse as minhas desgraças,
acha mesmo que elas lhe dariam ouvidos?
*
No
dia seguinte, o filósofo perdeu seu único filho e esteve na iminência de morrer
de dor. A dama redigiu uma lista de todos os reis que haviam perdido os seus
filhos e a levou para o filósofo. Este a leu, achou-a exata, completa e não
deixou de chorar.
Três
meses depois, encontram-se novamente e
ficaram surpresos de estar com tão excelente humor.
Fizeram,
então, erigir uma estátua ao Tempo, com esta inscrição:
Àquele
que consola.
Fonte:
Fon-Fon (RJ), edição de 3 de dezembro de 1927.
Gostei muito
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