OGUSTO - Crônica - Paulo Soriano
OGUSTO
(OU
CRÔNICA DE UM NATAL COMUM)
Paulo
Soriano
Para Henry Evaristo, in memoriam.
–
Moço, o senhor me paga um almoço pra mim?
É
comum que os pequenos, ao abordarem na rua as pessoas, estendam as mãos e peçam
baixinho, teatralizando um olhar humilde e piedoso. Não foi assim com aquele
garoto mulato, de belos olhos cor-de-avelã. Tinha um sorriso bonito no rosto e
parecia especialmente feliz.
–
Como é o seu nome?
–
Ogusto.
–
Venha, Ogusto.
O
homem, que achou graça naquele menino raquítico, de alvos dentes e olhar
esperto, caminhava em direção ao shopping. O menino tocou-o sutilmente
no cotovelo quando se aproximavam de um dos portões de entrada:
–
Me dê a mão, moço, senão os segurança me barra.
O
homem obedeceu. Olhou para o menino, que sorria radiante, e sentiu uma ternura
inocente — e um certo orgulho indefinido —, algo que o pai deveria sentir
quando leva o filho para passear em um fim de semana ensolarado.
–
Qual é o seu time, Ogusto? – perguntou o homem, ao passar por uma loja de
artigos de esportes.
–
É Baêa, seu moço.
Na
loja, os olhos do menino cintilaram. Nunca havia visto na vida coisa mais
bonita. Quanta bola, quanta camisa do Baêa!
–
Quantos anos você tem?
–
Doze, seu moço.
–
Parece ter menos.
No
balcão, o rapaz apontou para o menino e o vendedor trouxe um conjunto do Baêa
completo. Depois, a pedido do rapaz, voltou com uma bola de grife.
–
Vai vestir.
–
O Sr. vai me dar essas coisa?
–
Vai vestir, moleque. Já disse. Experimenta, vê se dá em ti!
–
Não moço, fica para a festa. Obrigado, moço. O senhor é muito bom com as criança.
Com
os embrulhos nas mãos, aquele serzinho esquálido, com a camisa suja e calções
rotos, de mãos dadas com um jovem senhor, não cabia em si mesmo de tanta
felicidade. Na praça da alimentação, o burburinho o envolveu como uma bênção.
Ogusto
comeu sanduíche no McDonald, tomou Coca Cola, olhou as meninas ricas e bonitas,
contou para o homem a história da sua vida. O pai não tinha, a mãe já tinha
arrumado emprego em casa de madame, mas agora vendia amendoim na praia. Ele
também, com dois dos seus oito irmãos. Ainda comeu comida a quilo, disse que
aquilo é que era Natal e depois pediu para ir.
Abraçou
o homem e o chamou de pai. O homem viu que uma emoção subia, e a reprimiu
violentamente com um gole de chope gelado.
–
Vai, garoto.
Com
que felicidade Ogusto, o garoto, o vendedor de amendoim, que nunca havia ido
para a escola, que não sabia sequer pronunciar o próprio nome direito, corria
pela praça de alimentação, com a roupa e o brinquedo batendo e rebatendo nas
pernas ágeis! Olha, mãe, olha o que eu ganhei. Olha, Cesa, olha o que o homem
me deu! Tu não tem! Olha...
Uma
tenaz comprimindo o seu pescoço.
Um
forte empurrão.
Uma
queda.
A
bola e o uniforme do Baêa longe dele, saindo do embrulho, ficando para
trás, enquanto era arrastado pelo colarinho até o estacionamento. Levou um
cascudo e um pontapé do vigilante, que o chamava de ladrãozinho cabra safado,
enquanto o puxava com uma torção na orelha, que o fazia envergar para trás a
cabeça e andar com as pontas dos pés.
Com
muito esforço olhou para trás – a ousadia valeu-lhe um bofetão – e viu que
outro vigilante levava para mais longe ainda o seu presente. O único presente
de Natal que ganhara em toda a vida. Ogusto implorava para que lhe devolvessem
o presente. Pediu pelo amor de Deus. O meu presente, o meu presente! A
orelha não doía, não havia humilhação, não havia vergonha quando os curiosos
acorreram, já na rua. Só havia angustiante o sentimento de perda do presente de
Natal.
Comentários
Postar um comentário