A RECEITA - Conto Humorístico - Catulle Mendes
A RECEITA
Catulle Mendes
(1841 – 1909)
Tradução de autor desconhecido do séc.
XIX
No
camarim cor do rosa e malva, por cujas cortinas mal penetrava a luz, a gentil
viscondessa de Belvélise, um tanto pálida, com uns ares de moribunda, estava
deitada, toda coberta de rendas, sobre uma chaise longue. Os seus
pesinhos nus, de calcanhares rosados, saem a meio das chinelas de pérolas.
Junto dela, o médico da moda, jovem, lindo, de umas maneiras de estrangeiro,
com as compridas mãos, apalpava-lhe o pulso por baixo das rendas da manga.
—
É grave, não, doutor? — disse ela, com um gracioso estremecimento que parecia
de febre.
—
Muito grave, disse ele.
—
Eu estou certa de que é uma languidez o que sofro.
—
Exatamente.
—
E qual é a causa da moléstia?
—
Eu creio, minha senhora, que há duas causas.
—
Duas? O Sr. me faz medo. Quais? Diga depressa.
Ele
pareceu hesitar; no entanto, sorria.
—
E então, senhor, quais são essas causas?
—
São — respondeu ele afinal, em voz baixa — os seus vinte anos e os sessenta
anos do seu marido.
—
Oh, doutor!
Ficou
muito corada. Nem parecia mais estar doente. O elegante doutor continuou:
—
Já deve ter notado, minha senhora, como as flores de sua varanda desmaiam e se
estiolam, pálidas e doentes, quando se passa muito tempo sem receberem a tépida
caricia das águas? Pois as mulheres são
como as flores; e, neste ponto, os médicos estão de acordo com os poetas.
—
Oh, doutor! Doutor! — repetia a viscondessa, enrubescendo cada vez mais. E
depois de breve silencio, perguntou:
—
E... o remédio?
—
As rosas, minha senhora, tornam a florescer logo que recebem algumas gotas de
chuva.
À
doente, desta vez, ficaram-lhe as faces mais vermelhas que uma peônia. E, toda
embaraçada, voltou para a parede o rosto coberto pelos cabelos em desalinho.
O
médico pensou decerto que não seria de bom gosto prolongar a visita. Fez um
cumprimento e dirigiu-se para a porta.
—
Doutor? — murmurou ela.
Ele
parou.
—
Está bem certo de que não há outro remédio?
—Certíssimo.
Ela
respirou. Ele ia sair.
—
Pois então — disse ela com uma voz mais fraca ainda —. Por que se retira?
Fonte: “Pacotilha”/MA, edição de 24 de novembro de
1887.
Imagem: Belmiro de Almeida (1858 – 1935).
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