ISABETTA E A ABADESSA - Conto Humorístico de Giovanni Boccaccio
ISABETTA
E A ABADESSA
Giovanni Boccaccio
Tradução de Paulo Soriano
Vós deveis saber que há na
Lombardia um mosteiro muito famoso por sua santidade e por sua religião. Nesse
mosteiro havia, dentre as monjas que ali viviam, uma jovem de sangue nobre e de
maravilhosa formosura, chamada Isabetta. Certa feita, chegando ela à grade para
receber um parente seu, que neste momento fazia-se acompanhar por um belo
jovem, por este de pronto se apaixonou. O jovem, vendo-a belíssima, e
adivinhando o desejo da moça pelo olhar, da mesma forma inflamou-se por ela.
Não sem grande pesar para de ambos, durante muito tempo este amor não
frutificou.
Finalmente, estando os
dois bem atentos àquela situação, o jovem percebeu um meio de juntar-se à jovem
furtivamente. Ela, muito contente, não foi por ele visitada apenas uma vez,
senão muitas, o que a ambos proporcionou grande prazer.
Mas, enquanto as coisas
assim corriam, aconteceu que ele, numa noite, foi visto, por uma das senhoras
lá de dentro — sem que ele e a jovem percebessem —, quando se despediu de
Isabetta e partiu. Tendo a mulher contado o acontecimento às demais monjas, estas
pensaram, de início, denunciar a jovem à abadessa, que se chamava senhora
Usimbalda. Era esta uma bondosa e santa senhora segundo a opinião das monjas e
das pessoas que a conheciam. Mas decidiram as monjas, para que Isabetta não
pudesse negar o seu pecado, fazer com que a abadessa a surpreendesse enquanto
permanecia com o rapaz. Assim, calaram-se e dividiram entre si a vigilância e a
guarda com o intuito de flagrá-la no erro.
E, sem qualquer
precaução, porquanto desconhecia o que se passava, Isabetta recebeu, certa
noite, o rapaz. As monjas que estavam em vigília imediatamente souberam disto
e, quando julgaram oportuno, sendo já avançada a noite, dividiram-se em dois
grupos: um ficou de guarda à porta da cela de Isabetta e o outro correu ao
dormitório da abadessa. Bateram à porta
e, enquanto esta respondia, disseram:
— Vem depressa,
senhora. Levanta-te logo, pois encontramos Isabetta com um jovem na cela.
Naquela noite, a
abadessa estava em companhia de um padre que, com frequência, ela introduzia no
convento dentro de uma arca. Ao ouvir aquilo, e temendo que as monjas, por
excesso de pressa ou de zelo, tanto batessem à porta que terminassem por
abri-la, pôs-se, apressadamente, de pé. E, da melhor maneira que pôde,
vestiu-se no escuro. Acreditando que lançava mão de uma touca pregueada, que
chamam de “saltério”, agarrou o calção do padre. Mas tão grande era a sua pressa que, sem
perceber, em vez do saltério, enfiou o calção na cabeça. Fechando imediatamente
a porta atrás de si, disse:
— Onde está esta
maldita de Deus?
E, com as demais monjas
— que, de tão excitadas e ansiosas que estavam em surpreender Isabetta em pleno
pecado, não perceberam o que a abadessa trazia na cabeça — chegou a abadessa à
porta cela da jovem; lá, ajudada pelas demais, a pôs abaixo. Entrando, encontraram
os amantes abraçados. Estes, aturdidos pelo acontecimento tão inesperado, e sem
saber o que fazer, mantiveram-se quietos.
A jovem foi prontamente
agarrada pelas outras monjas e, por ordem da abadessa, conduzida ao capítulo. O
rapaz ficou na cela. E, vestindo-se, esperou para ver que fim teria aquilo
tudo, animado pela intenção de derrubar tantas monjas quantas pudesse alcançar
— caso fizessem algum mal à jovem — e sumir dali com ela.
A abadessa, sentando-se
no capítulo, na presença de todas as monjas, que somente tinham olhos para a
culpada, começou a lançar aquelas ultrajantes censuras jamais ditas a uma
mulher. Disse que a jovem, caso o incidente fosse conhecido pelos de fora, estaria
a contaminar, com suas ações ignominiosas e indecentes, a santidade,
honestidade e boa fama do mosteiro. E, às admoestações, juntou a abadessa
gravíssimas ameaças.
A jovem, envergonhada e
tímida, julgando-se culpada, não sabia o que responder e permanecia em
silêncio, atitude que inspirou a compaixão das demais. Mas, como a abadessa
demorava-se em suas admoestações, ocorreu à jovem erguer o olhar. Viu,
portanto, o que a abadessa trazia na cabeça e, bem assim, aqueles cordões que
pendiam aqui e acolá. Então, estando certa do que era aquilo realmente era,
disse, tranquilamente:
— Senhora — que Deus te
ajude! —, amarra a tua toca e depois me dirás o que quiseres.
A abadessa, que não
entendia o que a moça queria dizer, disse:
— Que touca, rameira?
Tens a audácia de gracejar? Tendo feito o que fizeste, achas que podes, ainda,
fazer troças?
A jovem, então, disse
novamente:
— Senhora, rogo-te que
amarres a touca. Depois, diz-me o que quiseres.
Foi então que muitas
das monjas ergueram os olhos para a abadessa, que elevou a mão à cabeça, e
todas entenderam por que motivo Isabetta falara aquilo. A abadessa, percebendo
o próprio erro, e notando que todas viam o que ela não tinha como ocultar, mudou
o tom do sermão, e pôs-se a falar de uma maneira bem distinta do que o fizera
até então, concluindo que era impossível defender-se dos estímulos da carne.
Por isto, disse que cada uma se divertisse o quanto pudesse, mas discretamente,
tal como ela mesma fizera até aquele dia. E pondo a jovem em liberdade, voltou
a deitar-se com o padre; Isabetta, ao seu turno, correu para o seu amante.
Muitas vezes, este voltou a encontrá-la, para o pesar daquelas que a invejavam.
E as que não tinham amante trataram de alcançar, da melhor maneira que sabiam,
secretamente, semelhante ventura.
Ilustrações de
Gabrielle Castagnola (1828 – 1993) e anônimos medievais.
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