LAMPIÃO - Crônica Humorística - Luiz Raimundo


 

LAMPIÃO

Luiz Raimundo

 

Aquela manhã de terça, 6 de abril de 1937, ficaria para sempre na lembrança dos moradores de minha terra natal, Jequeri, até o fim dos tempos.

Zequinha dos Correios, nas primeiras horas do dia, vinha em desabalada correria pelas ruas da cidade, com destino à sede da prefeitura. Entrou na sala do Dr. Arthur Damásio, com os cabelos em riste, parecendo um “luís-cacheiro” (*), os olhos mais esbugalhados que os de um macaco-esquilo, brandindo um telegrama, sem conseguir falar nada. O Prefeito, que também era médico – estimadíssimo na cidade – mandou que se sentasse e trouxe-lhe um copo d´água com açúcar. Assim que ele se acalmou, o alcaide tomou-lhe das mãos o telegrama, e o que leu fez com que arregalasse também os olhos e se deixou cair como uma jaca desprendida do galho em sua cadeira de trabalho. 

O telegrama dava a seguinte informação: “Lampião chegará essa cidade vg amanhan vg pelas cinco da tarde pt.” Do telegrama não constavam destinatário nem remetente.

Imediatamente, o Sr. Prefeito convocou todos os seus assessores e secretários, o chefe do destacamento policial, o Meritíssimo Juiz e o vigário da paróquia – Pe. Benevenuto Leonardo dos Santos –, o Presidente da Câmara e tantos quantos vereadores encontraram disponíveis. Às nove da manhã estavam todos reunidos no salão da casa paroquial. Providências tinham que ser tomadas e com a urgência que o caso exigia.

Nessa hora, a cidade já estava em polvorosa, pois Zequinha dos Correios se incumbira de espalhar a notícia. Uma correria louca; gente chegando à matriz para rezar e pedir proteção ao Altíssimo; gente correndo para comprar prego e cadeados para trancar portas e janelas; nas ruas, um pandemônio se formara, com as pessoas se trombando e correndo de um lado para outro, parecia um formigueiro atiçado.

As notícias que se tinham pelas ondas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro sobre o bando de Lampião eram estarrecedoras. Os cangaceiros devastavam as cidades por onde passavam. Roubavam tudo que podiam, açoitavam e castravam os homens em praça pública, abusavam impiedosamente das mulheres, e nos bebês e recém-nascidos enfiavam prego em suas moleiras. O medo e o terror se instalaram na minha amada e querida Jequeri.

Por ordem do Prefeito, foram mandados emissários para os distritos de Piscamba, São Vicente e Grota para buscar os policiais que faziam a segurança daquelas localidades, a fim de reforçar a guarnição de Jequeri, composta de um sargento, um cabo e cinco soldados. Mais seis ajudariam bastante.

Não se falava noutra coisa em todos os cantos; as famílias se reuniam em casa para rezar com fervor. Janelas estavam sendo lacradas com trancas e cadeados. Quem tinha algum dinheiro ou joia procurava um lugar seguro para esconder. Cabras, cabritos, galinhas e patos foram confinados nos galinheiros no fundo dos quitais. A noite de terça para quarta foi de vigília. Os policiais foram instalados estrategicamente desde a entrada da cidade, onde se formaram barricadas com todo o entulho que conseguiram. Alguns moradores deram um jeito de se safarem: trancaram a casa ou foram se abrigar no mato, nas redondezas da cidade.

Após a mais longa das noites de que já se teve notícia naquela localidade, a quarta-feira, 7 de abril de 1937, amanheceu quente. O sol se abriu logo bem cedinho, aquecendo o medo e o pavor dos moradores. As horas correram lentas e angustiantes naquele dia. Não se via sequer fumaça nas chaminés das casas. O silêncio da cidade só se comparava ao do cemitério local.

Enfim, o relógio da matriz deu a primeira das cinco badaladas da tarde que ninguém queria ouvir, provocando calafrios, tremuras e dor de barriga em todos. Ninguém falava nada. Ninguém se mexia. De dentro das casas os olhos vigiavam a rua pelas gretas das janelas. Pavor geral.

Eis que lá na entrada da cidade, a mais ou menos oitocentos metros da praça principal, levantou-se um poeirão. Os soldados – nada valentes – tremiam como varas-verdes, pois temiam o que iriam enfrentar. Um deles teve um desarranjo intestinal, largou o seu posto, e correu em direção à margem do rio para se aliviar, aproveitando a chance e se esconder.

A poeira foi aumentando e assustadoramente se aproximando da cidade. O barulho do velho caminhão International – tamanho era o pavor de todos  –  se confundia com tropel de centenas de cavalos.

O caminhão veio chegando de mansinho e, próximo à casa do Sr. Dinorah Marcondes e Dona Nitinha, diminuiu a marcha e teve que parar, pois a rua estava interditada. O motorista, um caboclo alto e forte, com quepe azul na cabeça, desceu e começou a examinar a possibilidade de passar por ali, quando foi abordado, ressabiadamente, pelo Sargento Eliodório: – Quem é o Sr., moço? Vêi fazê o quê aqui em Jequeri?

Naquele momento a soldadesca toda já estava ao lado do comandante, todos com os bacamartes apontando para o motorista, que não se abateu. O Bastião de Donana (esse era o nome do motorista), olhou aquilo, cofiou o longo e basto bigode e disse:

–  Uai sô, eu vim trazê os lampião que sô Nadim da loja encomendou na mão do Sô Chichico Alvarenga, lá de Ponte Nova.

Ah! “Jequeri, Jequeri, Jequerida!”

 

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(*) Ouriço-cacheiro, porco-espinho, são facilmente reconhecíveis pelos seus espinhos, que revestem todo o corpo exceto no rosto e no ventre.

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