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Mostrando postagens de 2020

O GOVERNADOR E O ESCRIVÃO - Conto de Washington Irving

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  O GOVERNADOR E O ESCRIVÃO Washington Irving (1783 – 1859) Tradução de Paulo Soriano   Antigamente, governava Alambra um velho e intrépido cavaleiro que, por haver perdido um braço na guerra, era comumente conhecido pela alcunha de El Gobernador Manco , ou seja, “O Governador Maneta”. De fato, sentia-se orgulhoso de ser um velho soldado, usava bigodes torcidos que lhe chegavam aos olhos, um par de botas de campanha e uma espada de Toledo do tamanho de um espeto, com um lenço de bolso amarrado na guarda da empunhadura. Ele era, além disso, extremamente orgulhoso e meticuloso, cioso de sua dignidade e de todos os seus privilégios. Sob seu domínio, as imunidades da Alambra, como residência e domínio real [1] , eram rigorosamente cumpridas. Ninguém tinha permissão de entrar na fortaleza com armas de fogo, ou mesmo com uma espada ou bastão, a menos que se tratasse de pessoa de certa distinção. E todo cavaleiro era obrigado a desmontar no portão e conduzir seu cavalo pelas rédea

IRMÃ TERESA - Conto de Humberto de Campos

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  IRMÃ TERESA (Sobre um Conto de Lafontaine) Humberto de Campos (1886 – 1934)   O Convento da Graça, erguido naquele outeiro florido, servia principalmente para abrigar mocinhas que, desde criança, haviam mostrado vocação para a vida religiosa. Era, por isso, um jardim de açucenas, um recanto de pureza, um ninho de candura, em que não penetrara, jamais, a ideia do pecado. E foi quando lhe foi bater à porta, o rosto pálido, os olhos macerados, aquela maravilhosa figura de mulher, confessando à superiora a sua situação:   — Eu fui, madre, uma grande pecadora. A minha mocidade foi consumida toda no prazer e no pecado. Agora, porém, reconheci o meu erro, e quero tornar, definitivamente, ao caminho da perfeição, através da penitência!   Comovida por tanta sinceridade, a madre superiora abriu-lhe os braços e a porta do casarão votado a Deus, e nunca se viu, no convento, noviça, ou freira, que mais se aprofundasse na oração. Dia e noite, passava-os irmã Teresa de joelhos, com o

É MELHOR CALAR - Anedota - Anônimo do séc. XX

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  É MELHOR CALAR Anônimo do séc. XX   O Duque de Wellington, famoso vencedor de Waterloo, era tão severo que muitas vezes chegava a ser injusto, fazendo jus à má vontade dos soldados. Certa vez, à tarde, quando fazia, a sós, uma ronda, caiu em um canal e teria morrido afogado se não fosse a presença do espírito de um soldado, que a tempo se atirou à água e o salvou. Reposto do susto, o duque perguntou-lhe  o que desejava como recompensa. — A única coisa que desejo é que não diga nada sobre o acontecido, Sir. — Ora, ora! — exclamou Wellington.  — É a primeira vez que encontro uma modéstia e um  desinteresse tão perfeitos! — Oh, nada disso! — respondeu o soldado. — O caso é que se meus companheiros souberem que o salvei da morte, certamente me atirariam ao canal.   Fonte: A Noite Ilustrada, edição de 23 de janeiro de 1945.

O PRISIONEIRO DE MÔNACO - Conto de Liev Tólstoi

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  O PRISIONEIRO DE MÔNACO Liev Tólstoi (1828 – 1910)   Há cerca de cinco anos, houve um crime no principado. A cidade de Mônaco é pacífica e tal coisa jamais havia acontecido. Os juízes se reuniram para julgar o assassino. No tribunal havia juízes, promotores, advogados e jurados. No julgamento, condenaram o acusado, de acordo com a lei, à pena extrema: à decapitação. Apresentaram a sentença ao príncipe, que a confirmou. Restava apenas executar o criminoso. O infelizmente, não havia guilhotina ou carrasco no principado. Depois de muito meditar, os ministros decidiram escrever ao governo francês, perguntando este poderia enviar uma máquina de morte e o carrasco para cortar a cabeça do criminoso. Ao mesmo tempo, pediram que os informassem, se possível, sobre os custos que isso implicaria. Uma semana depois, receberam a resposta: eles poderiam enviar a guilhotina e o carrasco: as despesas seriam dezesseis mil francos. Participaram ao príncipe a resposta do governo francês. Ele m

MADAME TÉOFILA - Conto de Théophile Gautier

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  MADAME TEÓFILA Théophile Gautier (1811 – 1872) Tradução de Olavo Bilac (1865 – 1918)  e Manuel Bonfim (1868 – 1932)    Madame Teófila era uma gata avermelhada, de peito branco, nariz cor-de-rosa e olhos azuis,  assim chamada porque vivia comigo numa perfeita intimidade, dormindo aos pés da minha cama, fazendo a sesta no encosto da minha poltrona enquanto eu escrevia, acompanhando-me ao jardim nos meus passeios, assistindo às minhas refeições e interceptando, muitas vezes, o bocado que eu ia levar à boca. Uma vez, um dos meus amigos, afastando-se por alguns dias, confiou-me um papagaio, para que eu o guardasse enquanto durasse a sua ausência. O pássaro, sentindo-se deslocado, subira até o alto do poleiro, e circunvagava em torno, com ar desconfiado, aqueles olhos semelhantes a tachas de latão, encarquilhando as membranas brancas que lhe servem de pálpebras. Madame Teófila nunca vira em toda a vida um papagaio; e esse animal, novo para ela, causava-lhe evidente surpresa. Im

A CRIADA DO ESTUDANTE - Conto Humorístico - Humberto de Campos

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  A CRIADA DO ESTUDANTE Humberto de Campos (1886 – 1934)   Era uma vez, na cidade de Tchinfanfu, circunscrição do Kuetcheu, havia um estudante chamado Ting-lih-Tchung. Como a sua vida era consumida da leitura dos grandes livros da Sabedoria, não tinha para o servir senão uma criada. Certo dia, na ocasião em que a rapariga trazia vinho ao seu senhor, dirigiu-lhe, este, uma pilhéria. A criada, que era muito tímida, ficou toda vermelha, e, na sua atrapalhação, respondeu-lhe com uma inconveniência. — Que é isto? — gritou-lhe o estudante. — Como é que te permites dizer tais coisas na minha presença? Vais ser castigada pelo teu desaforo! E, apanhando de um feixe de varas que estava junto à parede, marcha para a desgraçada, levanta-lhe a saia, baixa-lhe a calça, e vai começar a vergastá-la, quando, à vista daquela carne moça e sensível, se compadece, de repente. Durante um momento, olha, examina a beleza daquele corpo, sujeito a castigo tão infamante. E, encostando o feixe de va

CHARLOTTE CORDAY - Narrativa Histórica - Thomas Carlyle

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CHARLOTTE CORDAY Thomas Carlyle (1795 – 1881)     Na sala de espera do Palácio da Intendência, onde vêm e vão, atarefados, os deputados, uma jovem, acompanhada por um velho criado, despede-se grave e gentilmente do deputado Barbaroux. Figura normanda majestosa, vinte e cinco anos, o rosto fogoso e sereno. Chama-se Charlotte Corday. Até aqui, quando ainda existia a nobreza, chamava-se de Armans. Barbaroux deu-lhe uma carta para o deputado Duperret — aquele que uma vez, na efervescência, desembainhara a espada. Parece que vai a Paris com algum recado. "Era uma republicana antes da revolução e nunca lhe faltou energia". Nesta formosa figura de mulher há mesa e decisão. "Por energia ela entende o espírito que guia aqueles que se sacrificam pela pátria". Esta formosa Charlotte surgiu de repente como uma estreia da sua recôndita tranquilidade; cruel e formosa como um esplendor — meio angélico e meio diabólico  — para brilhar um momento e num momento se extinguir

O BOM BEBERRÃO - Conto de Catulle Mendes

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  O BOM BEBERRÃO Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de Humberto de Campos (1886 – 1934)     — Eu — começou John Kinkerbocker, burguês de Londres, ventripotente como um hoteleiro de Vaudeville, e nariz vermelho como uma pasta de sangue —, eu posso dizer que não há um gentleman na velha Inglaterra, nem no continente, que se possa orgulhar de me haver visto tombar para baixo da mesa. O gim, o brandy , o porter , o ale , nunca triunfaram sobre mim. Quando eu lhes tenha preparado uma boa cama de bife com queijo, um rio de hand-and-half pode rolar por dentro de mim sem o menor inconveniente deste mundo. Minha capacidade é incomparável. Eu absorvo e resisto como ninguém. Se me furassem a barriga, sairiam dela bebidas para embebedar, durante um domingo, todos os alcoólatras de Dublin. Aos meus olhos, só há duas pessoas dignas de elogio, em matéria de resistência ao álcool. É meu compadre Anaximandro Ponbocker, excelente bebedor de ale, e mistress Flore Kinckerbocker, minha

SUBMISSÃO - Conto de Anton Tchekhov

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SUBMISSÃO Anton Tchekhov (1860 – 1904)   Há poucos dias, chamei Yulia Vasilievna, a governanta de meus filhos, para vir ao meu escritório. Precisávamos acertar  as contas. — Sente-se, Yulia Vasilievna — disse-lhe. —  Vamos acertar nossas contas. Você certamente precisa de dinheiro, mas é tão cerimoniosa que nem mesmo veio me pedir... Vejamos... Combinamos trinta rublos por mês... — Quarenta... — Não. Foram trinta... Eu tenho tudo anotado. Sempre paguei trinta rublos às governantas... Vejamos... Você está conosco há dois meses... — Dois meses e cinco dias... — Dois meses completos. Eu tenho aqui anotado. Você tem, portanto, direito a sessenta rublos... Mas temos que descontar nove domingos... Porque aos domingos você não dava aulas a Kolia, somente o levava para passear... mais três dias de feriado... O rosto de Yulia Vasilievna tingiu-se de vermelho e ela começou a puxar o babado do vestido, mas... nenhuma palavra! — Três dias de feriado... Portanto, vamos descont