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A ACHA - Conto de Guy de Maupassant

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  A ACHA Guy de Maupassant Era um pequeno salão, todo forrado de reposteiros espessos e discretamente perfumado. Um fogo vivo flamejava numa grande lareira, a cujo canto uma só lâmpada derramava uma luz branda, suavizada por um abajur de renda antiga, sobre duas pessoas que conversavam. Ela, a dona da casa, uma velhota de cabelos brancos, era uma dessas velhas adoráveis, de pele sem rugas, fina como papel de seda, e perfumada, toda impregnada de perfumes, penetrada até à carne das essências finas, uma dessas velhas que exalavam, quando se lhes beija a mão, o mesmo odor suave que nos salta ao olfato quando abrimos uma caixa de pó de íris florentino. Ele era um velho amigo que ficara solteiro, um amigo de todas as semanas, um companheiro na viagem da existência. Só isso, aliás. Haviam parado de conversar fazia um minuto, pouco mais ou menos, e ambos olhavam o fogo, sonhando qualquer coisa vaga, num desses silêncios amigos da gente que não sente a necessidade de estar sempre faland

O VINHO DE CORINTO - Conto Breve Humorístico - Júlio Portus Calle

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  O VINHO DE CORINTO (Narrativa sesquicentenária) Júlio Portus Cale João Corinto era um exímio conhecedor de vinhos e, sobretudo, um excelente bebedor. Certa feita, o enófilo achou por bem levar um jovem pernambucano — neófito na arte da embriaguez — à feira pública, onde pululavam as adegas, disposto a mostrar-lhe as maravilhas produzidas naquela excepcional região vinícola. Ao passar por uma bela senhorita, famosa por vender as frutas mais saborosas daquela pequenina cidade gaúcha, ouviu-a chamá-lo e, estendendo-lhe na delicada mãozinha um cacho púrpura, dizer-lhe: — Gostarias de um cacho de uva, Sr. João? — Obrigado, minha cara! — respondeu o austero bebedor. — Mas não gosto de vinho em pílulas…

O BOM DEVEDOR - Narativa Humorística - Anônimo do séc. XIX

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  O BOM DEVEDOR Anônimo do séc. XIX Um camarada entra num café e pede um copo de cerveja. É prontamente servido, mas, pensando melhor, o consumidor torna a chamar o rapaz e pede que lhe troquem a cerveja por um copo de absinto. Servido o absinto, o sujeito bebe e sai sem pagar. O dono do café vai atrás dele e reclama o pagamento do absinto. — Mas eu não lhe dei em troca um copo de cerveja? — exclama do devedor. — Então pague-me o copo de cerveja — replica o nosso homem. — Oh, isso é demais — replica o desconhecido. — Por ventura eu tomei a cerveja? E afasta-se com sossego e altivez. Fonte: Almanach Brazileiro Ilustrado, 1878, p. 280. Imagem: Diego Velásquez (1599 – 1660).

APÓS A GUILHOTINA - Narrativa Verídica Humorística - Anônimo do Séc. XIX

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  APÓS A GUILHOTINA Anônimo do séc. XIX O Dr. Gall 1 , célebre frenólogo 2 , visitando um dia o hospital psiquiátrico de Bicétre, perguntou a um deles, que o acompanhava: — Por que está aqui, meu amigo? A verdade é que eu não descubro no seu crânio o menor indício de loucura. O louco respondeu: — Sr. Dr., não estranhe que a minha cabeça não apresente sinal algum de loucura, porque devo lhe dizer que fui guilhotinado durante a Revolução, e a cabeça que agora trago não é a minha. Fonte: Almanach Brazileiro Ilustrado, 1878, p. 338. Notas: 1 Franz Joseff Gall (1785 – 1928), médico e anatomista alemão. 2 A frenologia é uma pseudociência que pretende determinar o caráter, as características mentais e de personalidade, a sanidade mental e o grau de propensão à criminalidade de uma pessoa a partir do exame do formato de seu crânio. 

COMO A NOITE APARECEU - Narrativa Indígena - Clemente Brandenburger

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  COMO A NOITE APARECEU Clemente Brandenburger (1879 – 1947) No princípio, não havia noite — dia somente havia em todo o tempo. A noite estava adormecida no fundo das águas. Não havia animais, mas todas as coisas falavam. A filha da Cobra Grande, contam, casara-se com um moço. Este moço tinha três criados fiéis. Um dia, chamou ele os três fâmulos e disse-lhes: — Ide passear, porque nós agora vamos dormir. Os criados foram-se e então ele chamou sua mulher para se item deitar. A filha da Cobra Grande respondeu-lhe: — Ainda não é noite. Disse-lhe o marido: — Não há noite; somente há dia. A moça respondeu: — Meu pai tem noite. Se queres dormir manda lá buscá-la, pelo grande rio. Chamou o marido os três fâmulos; mandou-os a moça à casa de seu pai, para trazerem um caroço da palmeira tucumã. Foram os criados, chegaram em casa da Cobra Grande, esta lhes entregou um coco de tucumã, muito bem fechado, e disse-lhes: — Aqui está; levai-o. Eia! Não o abrais, senã

O ORADOR - Conto Humorístico - Anton Tchekhov

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  O ORADOR Anton Tchekhov (1860 – 1904) Tradução de autor desconhecido do séc. XX O enterro de Kiril Ivanovich Vavilienski, falecido em consequência de duas moléstias muito frequentes em nossa pátria — o alcoolismo e a mulher iracunda — realiza-se numa radiante manhã. Quando o cortejo inicia a caminhada para o cemitério, um tal Polplavisko, companheiro do defunto, aparta-se de dele, toma um carro e ordena que o levem a toda pressa à casa de seu amigo Grigori Petrovich Zapoikin, moço ainda e, não obstante, muito popular. A maioria dos leitores talvez conheça o talento extraordinário de Zapoikin para pronunciar discursos e improvisos em todas as circunstâncias da vida, como casamentos, aniversários, enterros. Fala a qualquer hora, recém-acordado, em trajes menores, bêbado ou com febre. Discursa com extrema facilidade e eloquência, como jato d’água que rebenta do cano, usando, em seu vocabulário, palavras capazes de enternecer a rocha. Seus discursos são sempre calorosos e enormes,

LAMPIÃO - Crônica Humorística - Luiz Raimundo

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  LAMPIÃO Luiz Raimundo   Aquela manhã de terça, 6 de abril de 1937, ficaria para sempre na lembrança dos moradores de minha terra natal, Jequeri, até o fim dos tempos. Zequinha dos Correios, nas primeiras horas do dia, vinha em desabalada correria pelas ruas da cidade, com destino à sede da prefeitura. Entrou na sala do Dr. Arthur Damásio, com os cabelos em riste, parecendo um “luís-cacheiro” (*), os olhos mais esbugalhados que os de um macaco-esquilo, brandindo um telegrama, sem conseguir falar nada. O Prefeito, que também era médico – estimadíssimo na cidade – mandou que se sentasse e trouxe-lhe um copo d´água com açúcar. Assim que ele se acalmou, o alcaide tomou-lhe das mãos o telegrama, e o que leu fez com que arregalasse também os olhos e se deixou cair como uma jaca desprendida do galho em sua cadeira de trabalho.  O telegrama dava a seguinte informação: “Lampião chegará essa cidade vg amanhan vg pelas cinco da tarde pt.” Do telegrama não constavam destinatário nem remetente. Im