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Mostrando postagens de julho, 2020

OLENKA - Conto de Anton Tchekhov

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OLENKA Anton Tchekhov (1860 – 1904)   Olenka, filha de Plemyanikov, assistente de colégio aposentado, estava sentada na escada dos fundos de sua casa sem fazer nada. O dia era quente, as moscas zuniam em volta dela, e era agradável pensar que a noite estava próxima. Nuvens escuras de chuva amontoavam-se a leste do céu, trazendo, de vez em quando, um hálito de umidade. Kukin, que morava na ala da mesma casa, estava em pé no meio do pátio, olhando para o céu. Era gerente do Tivoli, um teatro ao ar livre. — Outra vez! — exclamou em desespero. — Chuva outra vez! Chuva, chuva, chuva! Chuva todos os dias! Parece uma praga contra mim! Creio que seria melhor eu meter a cabeça num laço de corda e acabar com a vida de uma vez. Isto está me arruinando. Perdas enormes todos os dias.   Juntou as mãos num gesto dramático e continuou, dirigindo-se a Olenka: — Que Vida, Olenka Semyonovna! É para fazer um homem chorar. Um homem trabalha, faz o melhor que pode, tortura-se, passa noites e

ROUBADO E CONTENTE - Conto de Rodolphe Bringer

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ROUBADO E CONTENTE Rodolphe Bringer (1871 – 1943) Tradução de Humberto de Campos (1886 – 1934)   Se havia um homem que amasse a tranquilidade, era esse o bom e honrado sr. Bougy. Mas o sr. Bougy tinha uma mulher, uma filha, um filho, um cachorro e um papagaio; e o seu papagaio gritava, seu cachorro latia, seu filho soprava uma gaita, sua filha tocava violão e sua mulher tocava piano. Por tudo isso, o sr. Bougy, que amava a tranquilidade, não vivia tranquilo. Certa noite, tudo dormia na casa do sr. Bougy. O papagaio estava calado. O cão repousava em silêncio. O filho cochilava. A filha sonhava. A mulher roncava, mas docemente. De repente, ouviu-se um rumor inquietante no andar térreo. De um pulo, o sr. Bougy se pôs de pé, um revólver na mão. Na sala de jantar, gritou: — Mãos no ar!   Dois ladrões estavam ali, e puseram, logo, a seus pés, todos os despojos que já haviam arrumado. Feito isso, levantaram as mãos. — Que tem nesse embrulho? - indagou o sr. Bougy. —

A PENITÊNCIA - Conto de Theodore de Banville

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A PENITÊNCIA Theodore de Banville (1823 – 1891) Tradução de Humberto de Campos (1886 – 1934)   Frei Andoche, da ordem dos capuchinhos, que fora a Vanes pregar pela quaresma, é um santo feio como o diabo. Seu velho rosto parece ter sido feito a machado em qualquer tronco de árvore, e sua barba sem trato é como uma erva rara que os carneiros já tivessem tosquiado. Como, porém, sabe conduzir as suas ovelhas aonde quer, ora pela carícia de uma voz persuasiva, ora a golpes de bastão, e, fecundo em recursos, não é apanhado nunca de surpresa — as penitentes sucedem-se no seu confessionário, na velha igreja, onde o campanário se atira vertiginosamente para o céu. Acaba ele de despachar muitas formosas damas e camponesas, que devolve limpas e brancas como o linho estendido no campo depois de lavado, quando se lhe ajoelha diante a linda Guilhermina Josselim, cujo seio é levantado por profundos soluços, e que, sob as suas rendas e a sua cabeleira de ouro, chora como uma pequena Mada

O VIGÁRIO - Conto Humorístico de Rodolphe Bringer

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O VIGÁRIO Rodolphe Bringer (1871 – 1943) Tradução   e adaptação de Humberto de Campos (1886 – 1934)   A festa da Conceição em São Domingos do Rio do Peixe era o maior acontecimento de toda aquela zona do sul de Minas. Ia gente de toda a parte. E como fosse uma boa oportunidade para trabalhar pela maior glória da Religião, os bispos da diocese escolhiam, de ano em ano, essa ocupação para entrar em contato com as suas ovelhas. Esse foi o motivo de estar em São Domingos, nesse dia, Sua Excelência Revma., o bispo Dom José, que foi recebido festivamente por toda a população e, particularmente, por padre André de Sampaio, vigário da paróquia. Padre André de Sampaio era uma figura seca e alta, sertanejo do norte. Moreno queimado, cabelo duro, cortado à escovinha, e já entremeado de fios brancos, andava pelos seus quarenta e oito anos. Era tolerante com os seus paroquianos, gente pouco igrejeira; e estes lhe pagavam a gentileza com os mesmos sentimentos, não indagando, jamais,

A NOVIÇA - Conto Humorístico de Pierre-Jean-Baptiste Nougaret

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A NOVIÇA Pierre-Jean-Baptiste Nougaret (1742-1823)   Uma abadessa, tendo notado um dia que uma de suas noviças se deixara levar à tristeza, queria descobrir a causa de tal desolação. Depois de chamá-la a seu quarto,   perguntou-lhe o motivo de sua aflição. Então   a noviça disse-lhe, ingenuamente, num lamento: — Minha sagrada querida senhora e prudente madre, tenho boas razões para ficar aflita, pois percebo todos os dias que estou me tornando um animal. Eu já tenho um gatinho que cresceu entre as minhas pernas. — Posso vê-lo? A moça mostrou à abadessa o seu “gatinho”. Esta, virando-se para a garota, mostrou-lhe outro. Havia, no fundo do quarto, um noviço franciscano escondido. Vendo o que acabara de acontecer, gritou ao mestre Bastien: “ Magister Bastiane: vidi celos apertos ” . Depois disso, a garota perguntou à terna abadessa que animal era aquele que ela lhe   tinha mostrado,   e que se parecia tanto com o seu. — Minha querida — disse a abadessa —, o seu é só um

AS TRÊS GAROTAS - Conto Humorísitco de Pierre-Jean-Baptiste Nougaret

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AS TRÊS GAROTAS Pierre-Jean-Baptiste Nougaret (1742-1823)   O Sr. Martin Chabert amava três jovens mulheres. Certo dia, disse a elas: — Minhas queridas franguinhas, não posso casar-me com as três. Embora eu ame ternamente cada uma de vocês, não sei como fazer a escolha. Para fugir a esta aflição, vou sugerir uma maneira: hei de casar-me com aquela que responder à pergunta, que lhes farei, da maneira mais ingênua. Elas consentiram. — Agora — disse ele —, quem é mais velha: a sua boca ou a sua “coisinha”? A mais velha das garotas respondeu: — A minha “coisinha” é mais velha, porque tem barba, e a minha boca não tem. A segunda disse: — A minha boca é mais velha, porque tem dentes, e o meu “negocinho”   não tem. A mais novinha disse: — Digo o mesmo que as minhas irmãs. — Vá lá, minha gracinha, dê-me você também uma boa resposta. Ela efervescia e mexia-se como uma marmota selvagem: — É a minha boca — disse ela — que é   mais velha, uma vez que foi desmamada há

OS OVOS - Conto Humorístico de Pierre-Jean-Baptiste Nougaret

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OS OVOS Pierre-Jean-Baptiste Nougaret (1742-1823)   Um jovem cavalheiro morava sozinho perto de Saint-Yves, em um quarto mobiliado, na casa de uma senhora. Certo dia, olhando a criada, disse-lhe: —Você é do campo, minha querida? — Sim, senhor. — Eu sabia. Mas, vendo na senhorita uma mocinha tão boa e tão prendada,   já gosto de você como se fosse da cidade! —Ah, o senhor é tão   bom! — Agora, minha querida, como eu gosto de você, que nos serve tão bem, vou adverti-la, para o seu bem, de que existe um certo mal que ocorre às jovens camponesas quando vêm morar na cidade. Pequenos ovos afloram em seus ventres, lá crescem e endurecem. Essas pobres garotas sofrem muito com isto e, para ficarem curadas, são obrigadas a mostrar o traseiro para o barbeiro. Eu lamentaria se algo assim acontecesse a você. Mas, se acreditar em mim, assim não será. Farei algo por você, e   já é hora de começar, porque posso ver, pela sua fisionomia, que já existem ovos em seu ventre. — Ai! — dis

OS JUDEUS DE SUSHAN - Conto de Rudyard Kipling

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OS JUDEUS DE SUSHAN Rudyard Kipling (1865 – 1936)   O mobiliário que eu acabava de comprar era bem pouco próprio para inspirar confiança. As cadeiras perdiam os pés e as mesas os tampos ao menor empurrão. Mas, tal qual estava, precisava pagá-lo e Ephraim, agente encarregado das cobranças pelo leiloeiro local, esperava-me na varanda com a conta na mão. O criado muçulmano anunciara-o nestes termos: “Ephraim Jahudi”, isto é, Ephraim o Judeu. Seria bom que os que creem na paternidade humana ouvissem o meu Elahi Buksh remover a segunda dessas palavras entre os dentes brancos, com o desprezo que o respeito à minha pessoa lhe permitia manifestar. Pessoalmente, Ephraim tinha maneiras amáveis, tão amáveis que a gente não sabia explicar como decaíra até a profissão de cobrador. Tinha um aspecto de carneiro que comia demais e sua voz estava de acordo com o seu físico. No rosto, uma máscara imutável de espanto infantil. Quando pagavam, parecia que admirava a fortuna do paga