O BOM BEBERRÃO - Conto de Catulle Mendes

 


O BOM BEBERRÃO

Catulle Mendes

(1841 – 1909)

Tradução de Humberto de Campos

(1886 – 1934)

 

 

— Eu — começou John Kinkerbocker, burguês de Londres, ventripotente como um hoteleiro de Vaudeville, e nariz vermelho como uma pasta de sangue —, eu posso dizer que não há um gentleman na velha Inglaterra, nem no continente, que se possa orgulhar de me haver visto tombar para baixo da mesa. O gim, o brandy, o porter, o ale, nunca triunfaram sobre mim. Quando eu lhes tenha preparado uma boa cama de bife com queijo, um rio de hand-and-half pode rolar por dentro de mim sem o menor inconveniente deste mundo. Minha capacidade é incomparável. Eu absorvo e resisto como ninguém. Se me furassem a barriga, sairiam dela bebidas para embebedar, durante um domingo, todos os alcoólatras de Dublin. Aos meus olhos, só há duas pessoas dignas de elogio, em matéria de resistência ao álcool. É meu compadre Anaximandro Ponbocker, excelente bebedor de ale, e mistress Flore Kinckerbocker, minha mulher, verdadeiramente notável no que diz respeito ao brandy.

Acendeu o cachimbo, e contou:

 — Eu os estimo! Lamento, porém, o que sucedeu um dia em que tiveram a audácia de querer rivalizar comigo. Apenas tinham esvaziado, ele, trinta duplos de cerveja, e ela, quatro garrafas de aguardente, caíram os dois para debaixo da mesa, juntos, um nos braços do outro. Toda a noite, bebendo sempre, fresco, disposto, imperturbável, eu tive o desgosto de os ouvir soltar os suspiros mais melancólicos e gemidos de cortar a alma, de bêbados, que estavam. Chegaram mesmo a trocar beijos e carícias, como pessoas que não têm a cabeça no lugar. E no dia seguinte de manhã — verdadeiramente, eu começava a ter sede — eles estavam ainda tão embriagados, que lutei com dificuldades enormes para convencê-los de que eu não os devia deixar, absolutamente, dormir juntos na mesma cama!

 E para o garçom:

 — Mais um, duplo!

 

 



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