ALARME NOTURNO - Conto de Anton Tchekhov
ALARME NOTURNO
Anton
Tchekhov
Uma
mosca de regular tamanho introduzira-se lentamente no nariz do sr. Gagin.
O nariz não tolerou a presença desse corpo estranho, e deu, com um espirro, o
sinal de alarme.
Gagin
espirrou, em realidade com todo o seu corpo. Sua esposa Maria estremeceu, despertando,
e virou-se para o outro lado, disposta a prosseguir no sono.
Transcorridos
uns minutos, tornou a virar-se.
Mas
não conseguiu conciliar o sono. Cansada de se voltar na cama, levantou-se e
aproximou-se da janela. Fora, reinavam as sombras e o silêncio. Do lado leste,
uma ligeira claridade permitia distinguir os contornos das árvores e o perfil
dos tetos.
De
repente, Maria soltou um grito. Teve a impressão que vira no jardim uma sombra
negra, que se aproximava da casa. Um homem!... Um ladrão, com certeza!... A
sombra aproximou-se da janela da cozinha. Deteve-se uns segundos, indecisa.
Levantou uma perna e confundiu-se no retângulo negro.
Ah!...
Um ladrão!...
Enquanto
esse pensamento lhe atravessava o cérebro, Maria sentia que uma palidez cadavérica
sobrepunha-se à sua máscara de creme contra rugas...
Um
ladrão!... E a cozinha comunicava-se com a sala de jantar, onde estava a
baixela de prata!... E a sala de jantar comunicava-se com o dormitório!...
Ah!...
O rosto do bandido não tardaria a aparecer ali, naquela porta!
—
Basílio!... Basílio!... — clamou Maria, esforçando-se por conter o tremor de
seus joelhos. — Basílio!...
E
sacudiu o marido:
—
A corda, Basílio!... Temos ladrões em casa!...
—
Hein?... — resmungou Gagin.
—
Acorda, anda, acorda!... Um ladrão meteu-se na cozinha!... Eu o vi saltar pela
janela!... Da cozinha, passará à sala de jantar!... Basílio!... Ano passado, os
ladrões entraram da mesma maneira na casa de Greta e degolaram toda a família!...
—
O quê? Que estás dizendo?... Por que te levantaste?
—
Mas?... Não ouviste o que eu disse?... Um homem entrou na cozinha!... Olga vai
morrer de medo!... E a baixela está na sala de jantar. Mexe-te, homem! Ou
queres que nos degolem?
Gagin
levantou-se lentamente.
—
Não me deixas em paz nem durante a noite? — queixou-se ele, entre dois bocejos.
— Sempre com essas tuas tolices!
—
Juro-te, Basílio, que o vi saltar a janela!
Gagin
perguntou:
—
E queres que eu vá ver o que há?
—
Sim, homem!... Tens que afugentar o assassino!
Gagin,
com um suspiro de resignação, sentou-se na cama, calçou os chinelos, e passou à
sala de jantar de revólver na mão.
Tateando
nas sombras, passou ao quarto das crianças e chamou a ama:
—
Ouve aqui.. Dei-lhe, ontem, o meu robe
de chambre para que o limpasse. Onde está ele? — perguntou o Sr. Gagin, que
tinha sua opinião formada acerca da visita noturna que tanto inquietava sua
mulher. Daí o seu estranho modo de agir na circunstância.
—
Dei-a o Olga para que a limpasse, senhor — respondeu a ama, sorrindo ao sr.
Gagin.
—
Esta casa é uma desordem! — limitou-se a responder esse. — As criadas levam as
coisas e nunca mais as põem no lugar! Não me parece muito correto isso de estar
dando voltas pela casa procurando o meu robe de chambre.
A
ama tornou a sorrir.
Garin,
sereno, passou à sala de jantar, e de lá à cozinha, que estava às escuras.
—
Olga! — Garin chamou a cozinheira, que parecia ter adormecido numa cadeira.
—
Olga... — E a sacudiu. — Olga!
—
Eh! Eh!... O que aconteceu, patrão?
—
Quem entrou pela janela?
—
Como? O quê? Pela janela? Virgem Santíssima!... O senhor está sonhando, patrão?
—
Sonhando? Ih! Ih!...
A
risadinha do patrão indignou a cozinheira, que rompeu em pranto, protestando:
—
Que quer dizer com esse risinho, patrão?... Ah! Porque nós somos pobres criadas, os outros se julgam
no direito de acusar-nos, dizendo que está até protegendo os ladrões! Eu não
sou dessas não, senhor!
—
Não estou te acusando de coisa alguma, moça! Foi a patroa quem ordenou esta
investigação. Mas já que não viste entrar ninguém... A propósito, onde está o
meu robe de chambre?
—
Seu robe de chambre? Ah, o roupão! Desculpe, senhor. Está pendurado no prego,
perto da lareira.
Na
escuridão da cozinha, Gagin estendeu com dificuldade o braço. Encontrou o objeto
que procurava, deitou-o sobre as costas, e voltou ao dormitório.
*
Maria,
sentada na cama e envolta em sombras, esperava a volta do
marido.
As
cenas mais trágicas atormentavam a sua imaginação: Gagin entrando na cozinha,
um punhal ou um machado levantado nas trevas. Um golpe, um grito, um corpo que
cai numa poça de sangue...
—
Basílio!... — gemeu. — Basílio!
Sua
fronte cobria-se de suor frio.
—
Basílio!... Basílio!...
—
Por que estás gritando, mulher?... Aqui estou eu...
—
Ai!... Como tardaste!... Estás ferido?...
Os
passos de Gagin aproximavam-se do leito:
—
Ferido?... Por que haveria de estar ferido?.... Dorme tranquila, mulher. E não
tornes a sonhar com ladrões...
Sentado
na cama, Gagin continuou a fazer troça da esposa. Passara-lhe o sono por
completo.
—
Como és medrosa, Maria!... Padeces de alucinações... Seria conveniente uma
visitinha ao médico, amanhã... Esses transtornos nervosos não me agradam
nada... Acende a luz... Quero fumar um cigarro... Onde está a carteira?...
Pensava tê-la deixado aqui, na mesinha de cabeceira...
Maria
apertou o botão da eletricidade. Gagin lnvantara-se para buscar os cigarros no
bolso de seu paletó, mas havia dado um passo apenas quando se sentiu retido por
um grito agudo, desesperado. Gagin voltou-se rápido sobre os calcanhares:
—
O que foi?...O que tens, mulher?...
Maria
olhava-o com olhos desmesuradamente abertos. Olhos de assombro, de espanto, de
ira.
—
Basílio!... Não encontraste ninguém na cozinha?
—
Não. Por quê?
—
Tiraste, lá, teu robe de chambre?
—
Também não... Isto é... Tinha ido sem ele... E lá, encontrando-o, lancei-o
sobre os ombros...
—
Lançaste o robe sobre os ombros? Olha-te no espelho, então!
Gagin
olhou-se ao espelho, e foi forçado a levar a mão aos lábios, para sufocar um
grito. De seus ombros pendia majestosamente um capote de bombeiro.
Maria,
entretanto, declarava:
—
Amanhã mesmo despedirás Olga... Que horror! Pensar que na minha casa acontecem essas
coisas!...
Fontes: Diários de
Notícias (RJ), edição de 10 de maio de 1933 e Correio do Paraná, edição de 10
de maio de 1933.
Tradução de autor
desconhecido do século XX.
Comentários
Postar um comentário