UM PRISIONEIRO NUMA MASMORRA PROFUNDA - Narrativa de Anne Brontë



UM PRISIONEIRO NUMA MASMORRA PROFUNDA
Anne Brontë
 (1820-1849)

Numa masmorra profunda, um prisioneiro permanecia sentado em silenciosa reflexão. A cabeça descanava em sua mão e os cotovelos sobre os joelhos. Projetava os seus pensamentos para os tempos futuros. Ou será que eles se voltavam para o passado? É pela liberdade que ele padece agora? Ou sofre pelo luto do passado?

Faz tanto tempo que ele vive em cativeiro, mergulhado na penumbra do calabouço, que o arrependimento ficou para trás e a esperança feneceu. Deixou de lamentar a própria desgraça. Já não aspira à luz do dia, nem mais suspira pela liberdade. Estes pensamentos não mais atormentam a sua fronte ardente. Perdido em um labirinto de pensamentos errantes, permanece imóvel. Sua postura e o seu olhar proclamam o estupor do desespero.

Todavia, nem sempre esse estado de espírito, de soturna tranquilidade, prevaleceu. Havia algo em seus olhos que contava outra história, que não falava da razão perdida, nem era similar à loucura: era um fogo intermitente, uma luz estranha e incerta.  Estes últimos anos trouxeram, de vez em quando, estranhas fantasias, enchendo a sua cela com cenas de vida e de formas de homens vivos.

De que necessita uma mente que não para de pensar?  O torpor pode trazer alívio à dor; a loucura, ao desespero.  São cenas tão descontroladas estas formas esvoaçantes... Parecem manifestações de um sonho febril... O que dele seria se tais fantasias se intensificassem, e a razão viesse a definhar?

Mas, ouça! Que sons são esses que lhe chegam aos ouvidos?  Parecem vozes humanas. Dois homens penetram em sua cela. Será isto, também, um sonho?

— Orlando, ouça a nossa jubilosa notícia. Vingança e liberdade! Os teus inimigos estão mortos e finalmente viemos libertá-lo! — disse o homem mais velho, procurando nos olhos do prisioneiro o êxtase fulgurante. Mas só encontrou a surpresa.

Respondeu-lhe, pois, o prisioneiro:

— Se meus inimigos estão mortos, então, toda a humanidade pereceu. Todos eram meus inimigos... Amigos, eu nunca os tive.


Nota do editor: Um Prisioneiro numa Masmorra Profunda (A Prisoner in a Dungeon Deep) é uma narrativa escrita originariamente em versos. A presente tradução, em prosa, foi realizada por Paulo Soriano.
Imagem: William Daniels (1813–1880).




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