AS SENHORAS - Conto de Anton Tchekhov
AS SENHORAS
Anton
Tchekhov
(1860
- 1904)
Fédor
Petrovich, diretor das escolas primárias dos distritos,
recebeu em seu escritório o professor Vermenski.
—
Impossível, senhor Vermenski! — disse-lhe. — Sua demissão é indispensável. O
senhor não pode continuar como professor com uma voz assim. Como perdeu o seu
tom natural?
—
Creio que por causa de uma garrafa de cerveja gelada que bebi quando estava
muito suado.
—
Que desgraça! Por uma insignificância destas, toda uma carreira perdida! Catorze
anos de magistério, não?
—
Sim, Catorze.
—
E que pensa fazer agora?
O
professor permaneceu em silêncio.
—
Tem família?
—
Sim, excelência. Mulher e dois filhos.
O
diretor começou a passear nervosamente de extremo a extremo da sala,
evidentemente comovido.
—
Na verdade, não sei que farei com o senhor. Por um lado, não pode continuar
como professor. Não tem direito à pensão... Por outro lado, lamentaria pô-lo na
rua. Trabalhou durante quatorze anos e nosso dever é ajudá-lo. Mas, como? Não
vejo como!
E
o senhor Petrovich continuou andando. Vermenski, acabrunhado por sua desgraça,
se deixou cair sobre uma cadeira, sumido em profundas reflexões.
De
súbito, o rosto do diretor se iluminou e o funcionário se deteve ante o
professor.
—
Tenho uma ideia! — exclamou. — Na próxima semana, o secretário de nosso asilo
de meninos pobres deixará o emprego. Se o senhor quer o lugar, eu posso nomeá-lo...
—
Aceito! Aceito, excelência!
—
Então, negócio fechado. Dirija-me hoje mesmo um ofício solicitando a vaga.
Vermenski
se foi. O diretor estava satisfeito com sua atitude: o pobre professor teria
uma boa colocação e não morreria de fome com sua família. Mas seu bom humor
durou pouco.
Quando
voltou à sua casa e se dispôs a almoçar, sua mulher lhe disse:
—
Ah, ia-me esquecendo! Esta manhã, Nina Sergeyevna me visitou e me recomendou um
jovem que desejaria ocupar o lugar do secretário do asilo, que, segundo parece,
vai deixar o cargo.
—
Sim. Mas o lugar já está prometido a outro — respondeu o diretor, pondo-se
sério. — Além disso, conheces os meus princípios: não dou nunca empregos por
recomendação...
—
Sei disso. Entretanto, devias fazer uma exceção desta vez por se tratar de Nina
Sergeyevna. Ela gosta muito de nós e ainda não fizemos nada por ela. Não,
querido, creio que não lhe negarás esse pequeno favor. Do contrário, ela se zangará
e, também, eu me zangarei.
—
E quem é o jovem recomendado?
—
Polsujin.
—
Aquele da festa no clube? Aquele rapaz de cabeça oca? Jamais!
O
diretor estava tão desgostoso que deixou de comer.
—
Jamais! — repetiu. — Por nada do mundo!
—
Mas, homem, por que te pões assim? Não vejo motivo para isso.
—
É que o rapaz não presta. E por que não se dirigiu diretamente a mim? Por que
prefere recorrer aos "pistolões" das mulheres? Só esse detalhe prova
que ele não serve.
Depois
de almoçar, ou melhor, de não almoçar, o diretor, recostado em sua cadeira,
começou a ler a sua correspondência. A primeira carta que abriu era da mulher
do prefeito.
—
Querido senhor Petrovich — começava. — O senhor me disse em certa ocasião que
teria imenso prazer em fazer alguma coisa por mim. Agora, apresenta-se uma boa oportunidade para
provar-me a sua amizade: um destes dias, irá visita-lo o senhor Polsujin, um
rapaz muito bem-educado, que solicitará o lugar de secretário do asilo, e
espero que... etc., etc."
—
Nunca! — exclamou com fúria o diretor. —Por nada deste mundo!
A
partir de então, recebeu grande quantidade de cartas cujas assinaturas, em sua
maior parte de senhoras, lhe recomendavam calorosamente Polsujin para o cargo
de secretário do asilo.
Por
fim, uma tarde, apresentou-se o próprio Polsujin em pessoa: um jovem gordinho,
enfeitado como um jóquei e vestido com um terno novo e elegante.
Depois
de ouvi-lo falar a respeito do lugar que pretendia, o diretor lhe respondeu
secamente:
—
Perdoe-me, jovem. Contudo, para os assuntos concernentes a meu cargo, não
recebo aqui, mas em meu gabinete.
—
Oh, senhor diretor!... Nossos amigos comuns me aconselharam vir vê-lo em sua
casa.
—
Sim, sim... — disse o diretor, olhando de relance os sapatos elegantes do
jovem. — Segundo me informaram, seu pai é bastante rico e não sei por que o
senhor deseja um emprego tão parcamente remunerado.
—
Não é por dinheiro... Pois não preciso. Mas nunca é mal um emprego estadual,
principalmente como início de carreira.
—
Talvez. Mas estou quase seguro de que, antes de um mês, o senhor abandonará o
lugar, e há candidatos para os quais seria a felicidade de toda sua família
se...
—
Não, não penso deixá-lo, excelência. Espero que fique satisfeito comigo.
O
diretor o detestava mais a cada instante.
—
Diga-me: por que não se dirigiu diretamente a mim em lugar de recorrer à
intervenção das senhoras?
—
Eu não pensava que isso pudesse não ser do agrado de vossa excelência.
Entretanto, se vossa excelência não dá importância às cartas de recomendação,
posso apresentar-lhe também certificados.
E,
enquanto falava, o jovem tirou do bolso um papel e passou-o ao diretor. O papel
tinha a assinatura do governador. A julgar pelo seu conteúdo e pelo seu estilo,
o governador, cedendo ao pedido de uma senhora qualquer, o assinara sem ao
menos o ler.
—
Ante isto — disse o diretor suspirando —, não há mais que dizer. Amanhã
assinarei a sua nomeação... Que posso fazer?!
Quando
Polsujin saiu, Petrovich quase estourou de raiva.
—
Canalha! — gritava, andando pela sala nervosamente. — E conseguiu me vencer! Canalha! Indecente! Inútil!... Pobre Vermenski!
E
cuspiu no assoalho com ódio.
Nesse
instante, uma senhora, vestida luxuosamente, entrou na sala. Era a mulher do
diretor do banco local.
—
Só penso incomodá-lo um minuto... nada mais que um minuto — disse. — Sente-se.
querido amigo, e tenha a bondade de prestar-me atenção.
A
visita se sentou e fez sentar-se diante dela o diretor Fiódor Petrovich.
—
Disseram-me que o secretário do asilo vai deixar o cargo. Hoje ou amanhã virá
visitá-lo o jovem Polsujin. É amabilíssimo, muito bem-educado... Enfim, eu lhe
ficarei muito grata se...
A
senhora falava sem deter-se. O pobre diretor, contendo sua cólera com grande
esforço, a escutava, sorria cortesmente e a enviava para o diabo em seu íntimo.
No
dia seguinte, quando recebeu em seu gabinete o professor Vermenski, o diretor
não teve coragem para dizer-lhe a verdade. Não sabia como começar e se achava
em extremo confuso. Ele prometera a si
mesmo desculpar-se diante dele, de contar-lhe tudo com franqueza e, agora, não
se atrevia. De súbito, dando um soco na mesa, se levantou de sua cadeira e
gritou com acento colérico:
—
Não tenho emprego para o senhor! Compreende? Não tenho nada, não posso fazer
nada! Deixe-me em paz!
E
Fiódor Petrovich, o diretor das escolas primárias do distrito, saiu correndo de
seu gabinete.
Tradução de autor
desconhecido.
Fonte: “A Noite
Ilustrada”, edição de 11/08/1942.
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