CHARLATANISMO - Narrativa humorísitica de escritor desconhecido do séc. XIX
CHARLATANISMO
Anônimo
do séc. XIX
Se
o leitor ainda não está cansado de viajar, venha conosco a Choisy-le-Roi, em
França, e presenciará um exemplo de charlatanismo tão curioso que dificilmente
achará outro mais interessante em toda a história dos charlatães.
Chegou
a uma estalagem daquela terra certo viajante, que logo no dia seguinte caiu
doente. Dentro em pouco tempo, agravou-se de tal modo a moléstia que o pobre
homem não podia mover-se, e apenas podia falar. Por cúmulo de desgraça, era
pobre, e não tinha com que pagar a médico que o tratasse.
Dali
a dias, passou um Nayler Bey[1].
Vinha numa riquíssima carruagem, com seu lacaio uniformizado de bigode, e um
cocheiro elegantemente vestido. Fez logo apregoar, ao som de trompa, que trazia
consigo alguns milheiros de frascos de bálsamo homogêneo simpático, com
o qual se curavam todas as moléstias possíveis e impossíveis, e, quando muito,
se demoraria duas horas na cidade, e, por favor até três, em benefício das
pessoas que quisessem comprar o precioso remédio.
O
estalajadeiro, que era bom homem, lembrou-se logo do seu doente, e quis ver se
o caritativo Doutor lhe valia. Manifestou ao médico o seu desejo e, com seu
consentimento, mandou vir o moribundo (que já não parecia outra coisa) à sua
presença.
—Quanto tempo há que se acha doente? —perguntou
o Doutor ao enfermo.
Nada
de resposta.
—Está
bem mal! — disse o médico.
Proferindo
estas palavras, lançou-lhe na língua duas ou três gotas do elixir, e lhe disse:
—Surge
et ambula[2].
—Não
posso — respondeu o moribundo. (Já se vê
que ambos entendiam latim.) Nova dose do remédio: o doente move os braços.
Terceira: o doente move as pernas. Quarta dose: o doente salta ao pescoço do médico,
grita, chora, abraça-o e desfaz-se em agradecimentos.
O
médico era homem caritativo. Promoveu ali mesmo uma subscrição para o doente, e
juntou quinhentos francos. Quanto às garrafinhas do bálsamo homogêneo
simpático, venderam-se todas, e mais que fossem.
Passados
meses, foi o estalajadeiro a Sceaux, onde, com grande espanto seu, foi
testemunha de uma cena igual: porém, desta vez, o médico era o doente, e o
doente o médico.
Compreendeu,
então, a velhacaria. Deu parte à polícia, e os dois industriosos de nova espécie
foram continuar as suas curas em uma casa de correção.
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