A RAINHA DE SABÁ - Lenda Oriental - Conto de Helena Rubini
A
RAINHA DE SABÁ
Lenda
Oriental
Helena
Rubini
(Séc.
XX)
Dos
confins da Arábia, a terra do incenso e das palmeiras, a rainha de Sabá, a
grande Balkis[1],
ouviu a faina do grande poderio e sapiência do filho de Davi. Fugiu-lhe o sono.
Debalde, as lindas servas, os servis ministros, os deslumbrantes pajens indagavam
por que cuidados tinha a gentil princesa a fronte enuviada
Um
dia, porém, após noite de cruel insônia, ela chama seu velho mordomo, e
ordena-lhe que, sem réplicas ou delongas, mande aprestar os dromedários, riquezas
e perfumes que pudessem levar esses herbívoros.
Teria
enlouquecido essa princesa tão sabia e tão prudente?...
—
Cumpre o que te ordeno. Ao grande Salomão vou visitar, e não é justo que vá com
as mãos vazias, sem as galas e pompas que me cercam?
E,
depois, pensativa e vagarosa, buscou os régios e suntuosos aposentos, onde, à noitinha, das rasgadas janelas do torreão
adusto, consultou as estrelas vaporosas que recamavam o veludo sombrio do lado oriental. A grande Sírio,
a Ursa gigantesca, a Estrela do Pastor, unânimes, em sua muda e misteriosa
linguagem, aprovaram o projeto da rainha.
Veio,
afinal, o dia da partida da princesa gentil. Os beduínos paravam nos atalhos e inquiriam
surpresos :
—
Onde irá a rainha formosa com tão brilhante séquito? —Onde ?!
*
No
seu maravilhoso palácio Bosque do Líbano, adornado de primorosas colunas,
onde o sábio Hirão imprimira o cunho de seu gênio imortal, o grande Salomão
ouve, descansando no celebre trono de marfim e ouro, o concerto da harpa da
judia, da cítara da moabita, dos anafis das lindas bailadeiras que, com harmoniosos
cantos, graciosas danças, festejam o aniversário natalício do rei preclaro, o
qual, cercado de magnatas, presidia à festa, trazendo magníficas roupagens e o
manto real, constelado de diamantes.
Não
era ainda o real epicurista, saciado e descrente, que escreveu o Eclesiastes,
nem o lírico e apaixonado amante da Sulamita. Era o rei justiceiro e sábio,
cuja precoce sabedoria encheu de espanto os velhos padres, os doutores e os
magos da Caldeia, e para quem a natureza inteira abrira o seio misterioso, e
que conhecia, no dizer daqueles tempos, desde o cedro até a vil parietária,
desde o Leviatã até a última manifestação da animalidade, desde a simples gota
d'água até os arcanos do mundo planetário.
Vai
a festa em meio; cantores e salmistas entoam louvores ao filho da formosa Betsabé,
quando um jovem escanção entra e anuncia a chegada da deslumbrante rainha de
Sabá...
Graciosamente
palmilhando os séricos tapetes do grandioso paço, Balkis caminha comovida e
respeitosa. Tantas grandezas, tamanho brilho estavam muito além da notícia que
a seu reino chegara. Contudo, não vacila, aproxima-se e dobra os joelhos ante o
trono majestoso e resplendente.
—
Oh, rei sublime! — disse com voz suave e harmoniosa. — Deixei meu reino, meu
erário, tudo; atravessei desertos areais, só para te ver e ouvir e aprender de
teus lábios a ciência que faz o assombro do orbe inteiro, do Oriente ao Ocidente.
Trouxe o incenso, o ouro, a mirra que abundam no mesmo reino, e estes dois
ramos de rosas e jasmins. Um é o fruto
do trabalho das mãos de tua serva; o outro é filho de nossa querida mãe, a
natureza. Agora grande rei, aceita e diz, destes dois ramos, qual o trabalho de
tua serva humilde e respeitosa!
Tão
semelhantes no viço e na frescura, nos matizes das pétalas mimosas, os ramos aí
estavam!
Quem
poderia distinguir? Era o impossível! Não fosse Balkis a mais hábil florista do
Universo!
O
rei fica indeciso, a corte espera!
Como
findar este penoso enleio?
Então
o astuto hebreu, sorrindo ordena que se abram de par em par as largas portas
que dão para o jardim de mirtos e rosas. Neste momento, uma loura abelhinha,
leve e mansa, entra zumbindo e vai pousar no ramo natural e perfumoso...
A lenda aqui findava.
Fonte: “A Abelha –
Folha Literária e Recreativa” (RJ), edição nº 1, 1º de setembro de 1901
(periódico redigido e dirigido por mulheres).
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