O DOM DAS FADAS - Conto de Charles Baudelaire
O
DOM DAS FADAS
Charles
Baudelaire
(1821
– 1867)
Era
uma grande assembleia de fadas, reunida para fazer a uma partilha de dons entre
os nascidos naquelas últimas 24 horas.
Todas
aquelas antigas e caprichosas irmãs do Destino, todas aquelas estranhas mães da
Alegria e da Dor eram distintas. Umas tinham ar sombrio e resignado; outras
sorriam descuidadas ou malignas: estas jovens, que haviam sido sempre jovens,
outras velhas, que haviam sido sempre velhas.
Os
pais, que têm fé nos poderes fantásticos, tinham vindo e cada qual trazia seu
filho nos braços.
As
pobres fadas estavam muito atarefadas porque a multidão era grande e o mundo
intermediário entre o homem e Deus está submetido, como nós, às terríveis leis
do tempo e de sua infinita posteridade — os dias, as horas, os minutos e os
segundos.
As
fadas estavam como os juízes humanos que, julgando durante horas prosseguidas
processos sem conta, acabam distribuindo sentenças ao acaso, sem outra
preocupação senão a da hora de seu jantar atrasado.
De modo que, nesse dia, foram cometemos alguns
erros. O poder de atrair a fortuna coube ao herdeiro único de um milionário e o
amor da beleza ao filho de um miserável arrieiro, que mais precisava de força
muscular para guiar uma parelha espantadiça..
Esqueci-me
dizer que a sentença das fadas, em ocasião tão grave, é inapelável e não pode
ser recusada
Mas
as fadas já se levantavam, julgando cumprida sua tarefa, porque vá não restava
um só dom, quando um pobre homem, um comerciante modesto, puxando pela fímbria
da túnica a fada mais próxima, exclamou:
—Senhora,
esqueceram-me... Meu filho nada recebeu e ele aqui está. Portanto, tem direito
de não voltar com o coração vazio.
A
fada fitou-o interdita, porque nada mais tinha para dar. Contudo, lembrou-se de
uma lei muito antiga, embora raramente aplicada no mundo intermédio das
semidivindades amigas dos homens, e muitas vezes obrigadas a adaptar-se a suas
paixões, como são as fadas, os gnomos, silfos e ondinas.
Essa
lei concede às fadas, em ocasiões semelhantes, a faculdade de conceder um dom
suplementar, desde que tenha imaginação suficiente para criá-lo no mesmo
instante. E a boa fada respondeu prontamente:
—
Não irá com o coração vazio. Concedo-lhe o dom de agradar.
—
Mas agradar como? Agradar por quê? — perguntou alvarmente o pobre homem, que
era um desses raciocinadores tão comuns, incapazes de se elevar à lógica do
absurdo.
Mas
a fada já ia longe e dizia, quase com indignação, às suas companheiras:
—
Viram ?. . . Viram que imbecil? Obtém para o filho o mais raro dos dons, o mais
precioso — e por isso indiscutível —, e
ainda quer discutir.. Quem sabe o que é de seu agrado?
Tradução de autor
anônimo do séc. XX.
Fonte: “Eu Sei tudo”
(RJ), edição de janeiro de 1921.
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