UM BANDIDO CORSO - Conto de Guy de Maupassant
Guy
de Maupassant
(1850
– 1893)
O
caminho subia suavemente no início da floresta de Aitône. Os pinheiros
desmedidos alargavam sobre nossas cabeças uma abóbada gemedora, emitiam uma
espécie de queixa contínua e triste, enquanto, à direita e à esquerda, seus
troncos finos e retos formavam uma espécie de exército de tubos de órgão de
onde parecia sair essa música monótona do vento nos cimos.
No
final de três horas de caminhada, a multidão de longas hastes emaranhadas rareou. De espaço em espaço, um
pinheiro — guarda-sol gigantesco, separado dos outros, aberto como uma
sombrinha enorme — ostentava sua cúpula de um verde escuro. Depois, subitamente,
alcançamos os lindes da floresta, uns cem metros abaixo do desfiladeiro que
conduz ao vale selvagem do Niolo.
Sabre
os dois cumes abruptos, que dominam essa passagem, algumas velhas árvores
disformes parecem ter subido penosamente, como exploradores que partiram diante
da multidão aglomerada atrás. Ao voltarmos, avistamos toda a floresta estendida
abaixo de nós, semelhante a uma enorme concha verde, cujas bordas, que pareciam
tocar o céu, eram feitas de rochedos nus, estreitando-se de todos os lados.
Pusemo-nos
a caminho outra vez, e, dez minutos depois, atingimos o desfiladeiro.
Avistei,
então, uma surpreendente região. Do outro lado, de uma outra floresta,
estendia-se um vale, mas um vale como eu nunca tinha visto, Era uma solidão de
pedra, de dez léguas de comprimento,
encravada entre montanhas de dois mil metros de altura e sem um campo, sem uma
árvore visível. É o Niolo, a pátria da liberdade corsa, a cidadela inacessível
de onde os invasores jamais puderam expulsar os montanheses.
Meu
companheiro me disse:
—
É, lá, também onde se refugiam todos os nossos bandidos.
Em
breve, achamo-nos no fundo dessa furna selvagem e de inimaginável beleza.
Nem
um mato, nem uma planta: granito, só granito. A perder de vista diante de nós,
um deserto de granito faiscante, aquecido como um forno por um furioso sol que
parece propositadamente suspenso acima dessa garganta de pedra. Quando se
levantam os olhos para essas cristas, para-se estupefato. Elas parecem vermelhas
e recortadas como guirlandas de coral, pois todos os cumes são de pórfiro. E o
céu acima parece roxo, lilás, descolorido pela vizinhança dessas estranhas
montanhas. Mais abaixo, o granito é cinzento cintilante, e sob nossos pés ele
parece fragmentado: andamos sobre pó brilhante. À nossa direita, num longo e
tortuoso trilho, uma torrente tumultuosa ronca e flui. E cambaleia-se sob esse
calor, nessa luz, nesse vale ardente, árido, selvagem, cortado por esse curso
de água turbulenta que parece ter pressa em fugir, impotente para fecundar
essas rochas, perdido nessa fornalha que a sorve avidamente sem nunca ser
penetrada e refrescada.
Mas,
subitamente, apareceu à nossa direita uma pequena cruz de pau, cravada num
pequeno monte de pedras. Um homem havia sido morto ali, e eu disse ao meu
companheiro:
—
Fale-me, pois, de seus bandidos.
Ele
respondeu:
— Conheci o mais célebre, o mais terrível:
Saint-Lucie. Vou contar-te a sua história.
“Seu
pai havia sido assassinado numa briga por um jovem da mesma localidade, diziam.
E Saint-Lucie ficou sozinho com sua irmã. Era um rapaz fraco e tímido, pequeno,
sempre doente, sem energia alguma. Não declarou vingança ao assassino de seu
pai. Todos seus parentes vieram ter com ele, suplicaram-lhe que se vingasse;
ele ficava surdo às suas ameaças e as suas súplicas.
“Então,
seguindo o velho costume corso, sua irmã, indignada, tirou-lhe a roupa preta, a
fim de que ele não usasse luto por um morto que não foi vingado. Ele ficou
insensível a esse ultraje e, em vez de pegar a espingarda, ainda carregada, de
seu pai, enclausurou-se, não saiu mais, não ousando enfrentar os olhares
desdenhosos dos rapazes do lugar.
“Passaram-se
meses. Ele parecia haver esquecido o crime e vivia com a irmã nos fundos de sua
casa.
“Ora,
um dia, aquele que suspeitavam ser o assassino casou-se. Saint-Lucie não
pareceu impressionado com essa notícia. Mas eis que, para provocá-lo, sem
dúvida, o noivo, a caminho da igreja, passou diante da casa dos dois órfãos.
“O
irmão e a irmã, na sua janela, comiam docinhos quando a jovem avistou o cortejo
nupcial que desfilava diante de sua residência.
“De
repente, ele pôs-se a tremer, levantou-se sem dizer uma palavra, persignou-se,
tomou a espingarda que estava pendurada sobre a lareira e saiu.
“Quando,
mais tarde, ele falava a respeito disso, dizia:
“—
Não sei o que tive: foi como um calor no meu sangue. Senti bem que era
necessário; que, apesar de tudo, eu não poderia resistir, e fui esconder a
espingarda no maqui na estrada de Corte.
“Uma
hora mais tarde, ele voltava com as mãos vazias, com seu ar habitual, triste e
cansado. Sua irmã julgou que ele já não pensava em nada. Mas, ao cair da noite,
ele desapareceu.
“Seu
inimigo devia, nessa mesma noite, voltar a pé a Corte, com seus dois padrinhos
de casamento.
“Eles
seguiam o caminho cantando, quando Saint-Lucie surgiu diante deles e, olhando
de frente o assassino, gritou:
“—
Chegou a hora!
“Em
seguida, à queima-roupa, varou-lhe o peito.
“Um
dos rapazes fugiu. O outro olhava o moço, repetindo:
—Que
fizeste, Saint-Lucie?
“Depois
ele tentou correr a Corte para trazer socorro, mas Saint-Lucie lhe gritou:
“—
Se deres um passo, quebro-te a perna.
“O
outro, sabendo-o até então tímido, disse-lhe:
“—Tu
não ousarias!
“E
Saint-Lucie, aproximando-se dele, disse:
“—
Vou examinar teu ferimento. Se não for grave, deixar-te-ei aí; se for mortal,
liquidar-te-ei.
“Observou
a ferida, julgou-a mortal, tornou a carregar lentamente a sua arma, convidou o
ferido a fazer uma oração e, em seguida, arrebentou-lhe o crânio.
“No
dia seguinte, ele foi para a montanha.
“E
sabe o que fez depois este Saint-Lucie?
“Toda
a sua família foi presa pelos soldados de polícia. Seu tio, o cura, que se tornou
suspeito de o haver incitado à vingança, foi preso e acusado pelos parentes do
morto. Mas ele fugiu, pegou também uma arma e foi ao encontro de seu sobrinho
na maqui.
“Então,
Saint-Lucie matou, um por um, os acusadores de seu tio, e lhes arrancou os olhos
para ensinar aos outros a nunca afirmar o que eles não vissem com seus próprios
olhos.
“Ele
matou todos os parentes, todos os aliados da família inimiga. Massacrou
quatorze gendarmes, incendiou as casas de seus adversários e foi, até sua
morte, o mais terrível dos bandidos de que há memória.”
*
O
Sol desaparecia atrás do Monte Cinto e a grande sombra da montanha de granito
se estendia sobre o granito de vale. Apressávamos o passo para atingir, antes
da noite, a pequena aldeia de Albertase, espécie de monte de rochas soldadas
aos flancos de pedra do desfiladeiro selvagem. E eu disse, pensando no bandido:
—
Que terrível costume o de vossa vendetta.
Meu
companheiro respondeu com resignação:
—
Que queres? Cumprimos o nosso dever!.
Tradução de autor desconhecido.
Fonte: “Fon-Fon”, edição
de 18 de setembro de 1948.
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