CIÚME - Conto - Pierre Veber
CIÚME
Pierre
Veber
(1869
– 1942)
Tradução de Humberto de Campos
(1886 – 1934)
Certo, a lógica dos homens é o que há de mais
penoso e inconsequente. Quando João, que amava Mme. Paula, verificou que era
correspondido, pediu-lhe a mão, e casou-se.
E
foi-lhe logo, dizendo:
— Minha querida, os maridos que amam
verdadeiramente são ciumentos. E eu te amo verdadeiramente.
—
E eu te dei motivo para ciúmes?
—
Não; mas todas as vezes que eu examino que és bela, fico a pensar que outros
podem te achar bela, como eu te acho.
—
Está bem,— disse ela.
E, para que o marido vivesse tranquilo, deixou
que a maternidade gastasse o seu corpo maravilhoso.
—
E agora, ainda tens ciúmes?
—
Oh, sim; os teus cabelos são longos, finos, sedosos e ondulados, e outros te
podem amar só por causa deles.
—
Está bem — disse ela.
E para que o marido não vivesse em
sobressalto, cortou, quase rente, os seus lindos cabelos sedosos.
— E agora, ainda tens ciúmes?
—
Minha querida, os teus dentes são admiráveis, e, quando sorris, é tal o milagre
da frescura, que eu temo que outro queira, também, comigo, partilhar a delícia
do teu beijo.
—
Está bem, disse a esposa.
E, para que ele não vivesse preocupado por sua
causa, ela esqueceu os dentes, que se estragaram; e deixou de sorrir.
— E, agora, ainda tens ciúmes?
João tinha, porém, ciúmes dos seus lábios, dos
seus olhos, das suas mãos delicadas; e quando, para que o esposo não vivesse em
cuidados por sua causa, ela se despojou de toda beleza, ele ficou sossegado, e
agradeceu:
— Afinal, não tenho mais ciúmes!
Dias depois, entretanto, comunicou-lhe:
— Sabes, minha querida, que estás, de certo
tempo a esta parte, horrivelmente feia?
E tomou uma amante.
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