A PAPISA JOANA - Narrativa Breve - Giovanni Boccaccio
A PAPISA JOANA
Giovanni Boccaccio
(1313 – 1375)
João,
apesar do nome masculino, era, na verdade, uma mulher, cujo inaudito
atrevimento a tornou inusitadamente conhecida de todos em seus dias e dos que vieram
depois.
Embora
alguns digam que ela era de Mainz, mal se sabe qual era o seu próprio nome e,
segundo alguns, chamava-se Giliberta.
Sabe-se
que ela foi amada por um jovem estudante em sua juventude, e ela tanto
correspondeu a esse amor que, tendo vencido o medo virginal e o pudor feminino,
fugiu da casa de seu pai em segredo e — mudando de nome e vestindo-se como um
garoto — seguiu o namorado.
Depois,
estudando na Inglaterra, onde todos a tomavam por jovem clérigo, aplicou-se aos
estudos de Vênus e da literatura. Tendo falecido o jovem, e sabendo-se
possuidora de elevado intelecto e de inclinação pela ciência, manteve o hábito
de religioso, e passou a evitar a companhia dos homens, escondendo de todos a
sua condição de mulher.
Aferrando-se
diligentemente aos estudos, obteve tanto sucesso nas ciências liberais que,
perante os seus pares, atraiu uma excelente reputação. Quando já madura, dotada
de admirável conhecimento, deixou a Inglaterra e partiu para Roma, onde, depois
de ler publicamente, por alguns anos, as ciências primitivas, angariou ouvintes
maravilhosos.
E
sendo, para além das ciências, de santidade e honestidade singulares, todos
acreditavam que ela era um homem. Por esta razão, ela era conhecida por muitos,
e quando morreu o papa Leão V, por consentimento de todos os veneráveis cardeais, ela foi eleita Papa no lugar daquele que havia falecido, e foi
chamada João, que, fosse ela homem, seria o oitavo de mesmo nome. Embora fêmea,
não temeu ascender à cadeira do Pescador, e nem lidar com todos os mistérios
sagrados, e ministrá-los aos outros, honraria que jamais havia sido concedida a
mulher alguma na religião cristã.
Ela
manteve-se no píncaro do Papado por alguns anos e, conquanto mulher, manteve na Terra o vicariato de Cristo. Mas, tendo
Ele, do céu, misericórdia de seu povo, não permitiu que uma mulher ocupasse
posição tão notável, nem que presidisse a um tão numeroso povo, embora iludido
por assaz maligno engodo. Portanto, à persuasão do diabo, que a compelira a uma
audácia tão perversa, deixou-se ela — que houvera guardado especial honestidade
em sua vida privada — cair no ardor da luxúria. E àquela que, há muito tempo,
soubera disfarçar o sexo, não faltaram expedientes astutos para satisfazer o
apetite lascivo. Assim, tendo encontrado quem, montando sobre o sucessor de São
Pedro, secretamente saciasse a sua luxúria, aconteceu que o papa engravidou.
E como
este era um pecado indigno, e como a sabedoria de Deus era maravilhosa, faltou-lhe,
finalmente, a artimanha para esconder a gravidez adúltera, a qual, há tanto
tempo, fora capaz de disfarçar.
Estando o parto mais próximo do que ela podia suspeitar, foi fazer o sacrifício anual na igreja de São Nicolau no Lateranense, entre o Coliseu e a igreja do papa Clemente. Como não havia nenhuma assistente feminina na rua, ela deu à luz publicamente e mostrou como tinha enganado todos os homens, salvo o seu amante.
É
por isso que ela foi colocada em uma prisão miserável com o seu filhinho, onde terminou
os seus dias. E, por desprezo à sua desonestidade, e para perpetuar a sua infâmia,
os pontífices subsequentes, quando faziam a procissão com o clero e o povo, ao
aproximarem-se do lugar onde ocorreu o parto, e que fica na metade do percurso,
para a abominação daquele lugar, alteravam a sua rota e tomavam a outro caminho;
depois, passado o lugar desprezível, voltavam para a estrada e concluíam a sua
jornada.
Versão em português de
Paulo Soriano a partir da tradução italiana de Donato Albanzani (1328 – 1411).
Paulo: Muy buena elección para traducir. A veces, en un foro de literatura, en el que participo, escogemos libros bastante mediocres, cuando tenemos tantos buenos clásicos a nuestro alcance. Saludos, Emilio
ResponderExcluirMuchas gracias, Emilio.
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