O DESTINO DECIDE PELOS TÍMIDOS - Conto - O. Henry
O DESTINO DECIDE PELOS TÍMIDOS
O. Henry
(1862 – 1919)
Certa
feita, deparei-me com uma revista que valia dez centavos num banco de um parque
da cidade. Ao menos, foi este o valor que o homem me pediu quando me sentei ao
seu lado. Era uma velha revista, mofada e suja, que continha em si algumas
histórias absurdas. Eu estava certo disto. E o homem — ou minha revista —
acabou por se mostrar um álbum de recortes. Para testá-lo, disse com afetado
desembaraço:
—
Sou jornalista e ando em busca de assunto para crônicas. Então, lembrei-me de
entrevistar os... sem trabalho, que passam dias e noites nos bancos dos jardins
públicos.
O maltrapilho sorriu, fitou-me com olhar
irônico e atalhou:
—Pois
sim. O senhor não é repórter. Pensa que se vive, assim, olhando para quem
passa, sem aprender alguma coisa? Polícia e jornalista são duas raças que eu
conheço de longe. O senhor não tem o que fazer e está com vontade de
conversar... Pois vamos em frente.
Esperou
um instante e, como eu hesitava, ele riu francamente.
—
Vê, nem sabe o que há de me perguntar... E quer me impingir que é repórter.
Olhe, está me parecendo que o que o senhor é quem tem uma história para contar
e está mortinho por isso. Pois vá lá. Conte.
O
convite me seduziu. Com efeito, eu tinha uma história. Não queria confiá-la a
nenhum de meus amigos e também não podia guardá-la eternamente. Ela estava me
asfixiando. Não pude mais resistir e abri meu coração àquele desconhecido,
aquele pobre diabo que passava os dias nos bancos de jardim. Confiei-lhe meu
triste segredo. Falei-lhe nos dias e meses que tinha dedicado a adorar em
silencio Mildred Telfair. Falei-lhe em meu incessante tormento, minhas
insônias, minhas esperanças delirantes e minhas angústias. Exaltei diante
daquele infeliz a beleza de Mildred, seus triunfos sociais, sua vida soberba de
filha mais velha de um fidalgo sem grande fortuna, mas com brasões ilustres.
—
E por que não se casa com ela? O senhor parece de boa sociedade e bem munido de
dinheiro.
Expliquei-lhe
que, embora abastado, eu era de família obscura e isso me tornava horrivelmente
tímido. Diante dela, gaguejava, ficava incapaz de ligar duas ideias, provocava
seu riso e isso ainda mais me perturbava.
—Há
outras moças em casa dessa Miss
Telfair?
—
Ha uma irmã de Mildred, duas primas e várias amigas
—
O Senhor é igualmente tímido com todas elas? Não? Ah! Com as outras o senhor
conversa, ri, sente-se à vontade?... Então seu caso é claro e muito parecido com
o meu. Sim. Não se admire. Miss
Telfair é uma beleza profissional.
—Oh!
—
Não proteste — replicou o vagabundo, com autoridade. — Moça que vive preocupada
com seu físico, suas toaletes, recepções, visitas, festas. É uma profissional
da beleza. É isso que o paralisa.
Espere! Vou lhe provar. Apalpe meu braço. Veja. Que diz deste bíceps?
Obedeci
maquinalmente e fiquei surpreendido ao encontrar naquele homem, que não devia
comer bem todos os dias, músculos que pareciam de aço.
—
Há quatro anos — continuou ele —, eu era um boxer
amador famoso. Vencia qualquer um que não fosse profissional. Mas era como
o senhor. Conhece, ao menos de nome, MacCarty, o empresário de boxe? Pois eu
pus em nocaute todos quantos ele me fez afrontar. Não houve um que me
resistisse mais de quatro rounds. Amadores, é claro. Cada vez que enfrentava um
profissional, sentia as pernas de algodão e os braços de papel de seda. Por quê?
Sei lá! Imaginação. A ideia de que o adversário era um profissional tirava-me
todos os recursos. Uma noite, depois de um desses fiascos, eu ia pelas ruas,
furioso, com vontade de me vingar, esmurrando o mundo inteiro. Fitava com arrogância policiais, choferes,
porteiros de cabaré, ansioso por um pretexto para briga. De repente, encontro
um grupo de seis homens, alentados, e que tomavam toda a calçada. Ao passar por
mim, um deles me empurrou desdenhosamente com um ombro. Era o que eu buscava.
Voltei-me e atirei-lhe um soco, que o fez girar como um ventilador. E começamos
uma troca de murros com todas as regras da arte. O outro tinha técnica, sangue-frio
e era sólido; mas, em dois minutos, eu o mandei para a região dos sonhos. Seus
companheiros levantaram-no do chão e um deles, fitando-me curiosamente,
perguntou:
—Quem é o senhor?
—E que tem o senhor com isso? — repliquei,
ainda agressivo.
—Nada, homem, nada. Não se zangue... Mas sabe
o que fez?
—Dei uma lição a um insolente.
—E
pôs a nocaute Reddy Burns, campeão mundial dos pesos médios.
Senti-me
desfalecer de emoção, julguei que tinha vencido meu pavor pelos profissionais;
mas, no primeiro dia em que voltei a me bater com um, apanhei como um cachorro.
São peças que a imaginação nos prega... E repito. Seu caso é perfeitamente igual
ao meu. Essa tal Mildred assusta-o e com medo a gente apanha sempre. Com essa
Mildred o senhor nunca arranjará nada.
—Veremos! — repliquei bruscamente. E ergui-me
com dignidade.
*
As
palavras do vagabundo-filósofo ficaram ressoando em meus ouvidos e uma
irritação surda cada vez mais se apoderava de mim. Subindo a escada para meu
apartamento, estava resolvido a provar ao homem do banco que era capaz de
afrontar Mildred. Sentei-me diante do telefone e disquei para a casa da família
Telfair. Fui atendido por uma voz inebriante e perguntei com um nó na garganta:
—É
você?
—Sim,
sou eu — respondeu a voz musical e acariciante, que era a característica da
família, mas em Mildred me perturbava mais do que em qualquer outra pessoa.
Resolvido a ter coragem, precipitei-me.
—Pois então, ouça.
—Mas quem está falando? É Phil?
—Sim
e estou resolvido a acabar com este tormento. É impossível que ainda não tenha
compreendido que eu a amo como um louco... Tenho hesitado em lhe dizer, com
medo de um desengano, mas não posso mais suportar essa incerteza.
— Mas Phil, eu estava tão longe de imaginar...
— disse a linda voz, um pouco tremula, com uma expressão de orgulhosa surpresa
e uma perturbação, que foi para mim um balsamo divino.
—Oh!
Não diga isso. Então nunca pressentiu ao menos que eu...
—Não,
sinceramente, não e sinto-me feliz; muito feliz.
—Meu amor! — balbuciei, com enlevo.
—Ouça,
Phil... assim pelo telefone é difícil dizer certas coisas. Por que não vem
aqui?
*
Menos
de um quarto de hora depois, cheguei à casa dos Telfair.
Apenas
o criado abriu a porta, vi Bess, a irmã mais moça de Mildred, que, de pé no
vestíbulo, parecia esperar-me. Eu nunca tinha notado que seus olhos eram tão
lindos, mas é possível que, nesse dia, estivessem assim encantadores, pela expressão
com que me fitavam. De resto, embora sem
lhe dar grande atenção, eu sempre reconhecera que ela era bonita, muito bonita
mesmo. Era bastante dizer que se parecia extremamente com Mildred; apenas não
tinha aquelas atitudes hieráticas, altaneiras... Era mais simples, mais
suave...
Não
tive porem tempo para raciocinar, pois ela se dirigiu a mim, estendendo-me as
mãos e murmurando, com as faces iluminadas por um leve rubor:
—
Phil... há quanto tempo eu desejava esse momento... sem esperá-lo. Eu
desconfiava que era de Mildred que você gostava.
*
Estava
escrito. Eu e o homem do banco de jardim estávamos condenados a só lutar com êxito
tendo como adversário um amador. Verdade seja que eu tinha uma compensação
magnifica. Em Bess o termo amadora tem a estrita e deliciosa expressão de criatura que ama, com uma afeição tão
apaixonada e sincera que acabou por despertar meu coração, fazendo-me
compreender que eu tinha por Mildred mais admiração de esnobe do que verdadeiro
amor.
Tradução de autor
desconhecido.
Fonte: “Eu Sei Tudo” (RJ),
edição de outubro de 1937.
Intenté leerlo en portugués, pero no lo comprendí del todo. La traducción que ofrece el ordenador está bastante bien. Y la historia bien explicada. Me ha gustado el sorprendente final. Emilio
ResponderExcluirMuchas gracias, Emilio.
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