A MULHER DO CAOLHO - Narrativa Humorística Clássica - Margarida de Navarra


 

A MULHER DO CAOLHO

Margarida de Navarra

(1492 – 1549)

 

A serviço de Carlos, último duque de Alençon, havia um velho criado que perdera um olho e era casado com uma mulher muito mais nova que ele.

Como o seu senhor e a sua senhora gostavam dele tanto quanto de qualquer homem de sua condição que estivesse a seu serviço, ele não podia visitar a esposa com a frequência desejada. Devido a isso, a mulher esqueceu-se tanto de sua honra quanto de sua lealdade e, por fim, apaixonou-se por um homem jovem. Por conseguinte, a notícia daquele caso propalou-se e o marido disto tomou conhecimento. Ele, no entanto, por conta dos muitos notáveis sinais de amor que sua esposa lhe demonstrava, não podia acreditar no que escutava.

Todavia, certo dia, ele decidiu colocar o assunto à prova e vingar-se, se fosse o caso, da mulher que o havia envergonhado tanto. A tal fim, fingiu que viajaria a um lugar distante, por dois ou três dias.

Assim que ele saiu, a sua mulher mandou chamar o amante. Sequer estavam juntos há meia hora, quando o marido chegou e bateu com força à porta.

A esposa sabia muito bem que era o marido quem batia. Advertiu, então, o amante, que, tendo ficado muito temeroso, jurou que desejaria estar, agora, no ventre materno. Amaldiçoou, pois, tanto a amante quanto a lascívia que o colocara em tal perigo.

Disse-lhe a amante, no entanto, que nada temesse, pois ela iria arranjar um meio de afastá-lo dali, sem nenhum dano ou vergonha para ele. Disse-lhe, enfim, para vestir-se o mais rápido possível.

Enquanto isso, o marido batia à porta e chamava pela esposa a plenos pulmões; mas ela fingia não o reconhecer e gritava para a gente da casa:

— Por que não se levantam e silenciam aqueles que estão fazendo tanto barulho à porta? Lá são horas de bater as portas de casa de gente honesta? Se meu marido estivesse aqui, logo os poria a correr!

Ouvindo o que dizia a esposa, o marido chamou-a o mais alto que pôde:

— Abra a porta, mulher! Vai me deixar esperando aqui fora até o amanhecer?

Então, quando a senhora viu que o amante estava pronto para partir, abriu a porta, dizendo ao consorte:

—Ah, marido meu! Como estou feliz por você ter vindo! Acabei de ter um sonho maravilhoso e fiquei tão feliz! Nunca senti tamanho prazer, pois me pareceu, em sonhos, que você havia recobrado a visão do outro olho.

Então, abraçando-o e beijando-o, pegou-o pela cabeça e, cobrindo-lhe o olho bom com uma das mãos, perguntou-lhe:

— Não está vendo, agora, melhor do que antes?

Naquele momento, enquanto ele não via nada, a esposa fez o amante escapulir. Imediatamente, o marido suspeitou do truque e disse-lhe:

—Por Deus, mulher, não vou mais vigiá-la, pois, ao pensar em enganá-la, eu me deparei com o engano mais astuto que já se imaginou. Deus a corrija, pois está além da força humana pôr fim à maldade de uma mulher, a não ser matando-a imediatamente. No entanto, uma vez que o tratamento justo que lhe dei nada lhe serviu para corrigir-se, talvez o desprezo, que doravante sentirei por você, servia-lhe de punição.

Dizendo isso, o caolho foi embora, deixando a esposa em grande aflição.

Porém, graças à intercessão de seus amigos e aos pedidos de desculpas mergulhados nas lágrimas da mulher, o marido foi persuadido a voltar para ela novamente.

 

Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução ao inglês de M. Roux de Lincy (1806-1869).

 

 

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