MODISMOS - Crônica - Julio Portus Cale


 

MODISMOS

(Crônica politicamente incorreta de Júlio Portus Cale)

 

— Antigamente era o tal do respaldo — disse-me Roberval.

— Era mesmo — respondi.

Roberval prosseguiu:

— Quem quisesse se reeleger, tinha de pôr o respaldo no discurso. Era com respaldo nisto, com respaldo naquilo... Se não tivesse respaldo, fosse no que fosse, não se ganhava eleição.

— Mas, agora, ninguém — por não ter mesmo respaldo algum —, fala mais em respaldo. Respaldo já não respalda ninguém...

— É verdade — concordou Roberval. — Em compensação, todo mundo é resiliente. Nunca vi tanta resiliência em minha vida. Mas pergunte a qualquer um o que é resilir um contrato. Será que alguém sabe?

— Sabe nada! É preciso muita resiliência para aguentar tanta resiliência.  E o tal do...

— Já sei! — emendou Roberval.  — Já sei o que você vai dizer, Constantino: o tal do sustentável. Tudo, hoje em dia, tem de ser sustentável. Da cadeira de ônibus ao papel higiênico. Sem sustentabilidade — verdadeira ou falsa —, ninguém vende nada. Nem a alma ao resiliente Diabo.

— E o dialoga?

— Pois é — disse Roberval, entediado. — É texto que dialoga com isso e com aquilo...

— Vive batendo papo no telefone. Se há monografia ou tese sem o dialoga, o fulano leva pau!

— Ora, se não leva!

— E a turma — emendei — tem de ser empoderada.  Caso não haja o empoderamento, não há discurso de político.

— Verdade, Constantino. E o que é mais importante: é preciso ser muito resiliente e “dialogante” para aguentar o empoderamento de minha nada sustentável sogra — concluiu Roberval, nada politicamente correto.

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