O NATAL DO LADRÃO - Conto de Pierre Verber
O NATAL DO
LADRÃO
Pierre Veber
(1869 – 1942)
Tradução
de Humberto de Campos
(1886
– 1934)
As
crianças que uma insônia precoce tivesse conservado acordadas nessa meia-noite
de Natal, teriam tido uma singular concepção de Noel, se houvessem levantado os
olhos para o teto do prédio nº 55 da rua Marboeuf. Efetivamente, sobre o
telhado da casa, errava, a essa hora, um indivíduo sem o tradicional burel de
linha branco nem cesto de brinquedos às costas, mas, apenas, com o traje
habitual dos "apaches" e um pacote de ferramentas na mão.
— Bolas! — exclamava este, entre os dentes. —
Querem ver que hoje ninguém sai de casa e eu tenho de passar a noite sem comer!
A essa hora, exatamente, no prédio 55, uma
pobre criatura suspirava e gemia, na tristeza do seu destino. Era uma dama de
uns cinquenta anos, famosa na vida galante do seu tempo, mas a quem o declínio
do corpo havia afastado da atividade mundana.
— Bons tempos! — meditava a mísera. — Há vinte
anos, que Natais, os meus! Eram o Rogério, o Gustavo, o Emílio... E o Dorty,
pai... E o Dorty, filho... Quanta champagne! Quanta loucura! Quanta
alegria!... E hoje...
Soltou um suspiro, estremeceu toda, e:
— Será possível que Pai Noel se não lembre de
mim?
Nesse momento, porém, um ruído surdo e
contínuo se propaga pela chaminé, e vem aumentando, até concluir com um baque
forte, em baixo, no fogão. Assustada, a velha dama pula da cama, olha para a
chaminé, e o seu rosto se ilumina todo, num sorriso. É que vê lá dentro, de
envolta com a cinza, uma figura de homem vestido de "apache", todo
sujo de fuligem, mais forte, robusto, musculoso.
— Vem! Vem, meu amor!... — exclama, puxando-o
pela blusa. — Anda, vem te lavar... Vem cear comigo!...
Pai Noel, fazendo estalar, no telhado, o
cimento da chaminé, quando o salteador nele se apoiava meditativo, não se
havia, como se vê, esquecido dos dois...
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