A MORTE DO AVARENTO GRANDET - Excerto - Honoré de Balzac
A MORTE DO AVARENTO GRANDET
Honoré de Balzac
(1799 – 1850)
Tradução livre de A. G. dos Santos
(Sec. XIX)
No ano de 1825, Grandet, sentindo o peso das enfermidades, teve de iniciar sua filha nos segredos de sua fortuna territorial, e disse-lhe que, no caso de dificuldades, fosse entender-se com Cruchot, o tabelião, cuja probidade havia ele experimentado. Mais tarde, em fins do mesmo ano, e contando setenta e nove de idade, foi o bom homem atacado de uma paralisia, que fez rápidos progressos. M. Gtandet foi condenado por M. Bergèrie.
Pensando que ia, em breve, achar-se só no mundo, Eugênia conservou-se, por assim dizer, mais perto de seu pai e estreitou mais firmemente o último elo de afeição que a ligava à sociedade.
Fez prodígios de solicitudes e de atenção para com seu velho pai, cujas faculdades começavam a declinar, mas cuja avareza sustentava-se com por instinto. Não obstante, a morte deste homem não diferiu de sua vida.
Logo pela manhã, fazia-se rodar entre a chaminé de seu quarto e a porta do seu gabinete, sem dúvida cheio de ouro; depois, aí ficava sem movimento, mas olhava, e com grande assombro do tabelião, e ouvia rosnar o seu cão no pátio.
Em seguida, despertava do seu aparente entorpecimento no dia e hora em que era preciso receber arrendamentos, fazer contas com os caseiros ou passar recibos. Então movia sua poltrona de rodinhas até achar-se defronte de seu gabinete. Fazia-o abrir por sua filha e vigiava que ela mesma secretamente empilhasse uns sobre os outros os saco de dinheiro e fechasse a porta. Depois, voltava ao seu lugar, silenciosamente, logo que ela lhe havia entregue a preciosa chave, sempre guardada na algibeira de seu colete, e que ele apalpava de tempos em tempos.
Chegaram, ao fim, os dias da agonia, durante os quais a robusta construção do nosso homem esteva a braços com a destruição. Quis ficar sentado no canto do seu lar, defronte da porta de seu gabinete. Puxava a si e enrolava todas as cobertas que lhe deitavam em cima e dizia a Nanon, sua aia:
— Aperta, aperta isto, para que não mo roubem.
Quando podia abrir os olhos, onde se concentrava toda a sua vida, volvia-os logo para a porta do gabinete onde existiam os seus tesouros, dizendo à sua filha:
— Estão eles ali? Estão? (Com um metal de voz que denotava uma espécie de pânico.)
— Sim, meu pai.
— Toma sentido no ouro, põe-no diante de mim!
Então Eugênia estendia, sobre uma mesinha, luíses1 nos quais fitava ele a vista durante horas inteiras, como um menino que, no momento em que começa a ver, contempla estupidamente o mesmo objeto; e, como a um menino, escapava-lhe um sorriso enfraquecido.
— Isto me vivifica — dizia ele algumas vezes, deixando transluzir em seu semblante uma expressão de beatitude.
Quando o cura da paróquia veio administrá-lo, seus olhos, na aparência apagados há algumas horas, reanimaram-se à vista da cruz, dos castiçais, da caldeirinha. Olhou para tudo isso fixamente, seu lobinho moveu-se pela última vez.2 Depois, quando o sacerdote lhe aproximou dos lábios o crucifixo de prata para lhe fazer beijar o Cristo, fez um gesto espantoso para o agarrar. Este último esforço custou-lhe a vida.
Grandet chamou Eugênia, a pessoa que estava ajoelhada diante dele, mas que ele não via, e que, com suas lágrimas, regava uma mão já fria.
— Meu pai, abençoa-me!
— Toma cuidado de tudo. Dar-me-ás conta disso no outro mundo.
Depois da morte de seu pai, Eugênia soube do mestre Cruchot que ela possuía quatrocentas mil libras de renda em bens de raiz no distrito de Saumur, duzentos e cinquenta mil francos a três por cento adquiridos a sessenta e um francos e que então valiam setenta e sete; mais três milhões em ouro e cem mil francos em escudos, sem contar os atrasados a receber. A estimativa total de seus bens subia a vinte milhões.
Fonte: “O Itabira”/ES, 5 de maio de 1867.
Ilustração: Eugene von Blaas (1843 – 1932).
Fizeram-se adaptações textuais.
Notas:
1Antigas moedas francesas.(N. do E.)
2Tinha no nariz um lobinho que se movia quando ele experimentava alguma sensação do prazer (N. do T.)

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