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A RECEITA - Conto Humorístico - Catulle Mendes

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  A RECEITA Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de autor desconhecido do séc. XIX   No camarim cor do rosa e malva, por cujas cortinas mal penetrava a luz, a gentil viscondessa de Belvélise, um tanto pálida, com uns ares de moribunda, estava deitada, toda coberta de rendas, sobre uma chaise longue . Os seus pesinhos nus, de calcanhares rosados, saem a meio das chinelas de pérolas. Junto dela, o médico da moda, jovem, lindo, de umas maneiras de estrangeiro, com as compridas mãos, apalpava-lhe o pulso por baixo das rendas da manga. — É grave, não, doutor? — disse ela, com um gracioso estremecimento que parecia de febre. — Muito grave, disse ele. — Eu estou certa de que é uma languidez o que sofro. — Exatamente. — E qual é a causa da moléstia? — Eu creio, minha senhora, que há duas causas. — Duas? O Sr. me faz medo. Quais? Diga depressa. Ele pareceu hesitar; no entanto, sorria. — E então, senhor, quais são essas causas? — São — respondeu ele afinal, em voz

ISABETTA E A ABADESSA - Conto Humorístico de Giovanni Boccaccio

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  ISABETTA E A ABADESSA Giovanni Boccaccio Tradução de Paulo Soriano     Vós deveis saber que há na Lombardia um mosteiro muito famoso por sua santidade e por sua religião. Nesse mosteiro havia, dentre as monjas que ali viviam, uma jovem de sangue nobre e de maravilhosa formosura, chamada Isabetta. Certa feita, chegando ela à grade para receber um parente seu, que neste momento fazia-se acompanhar por um belo jovem, por este de pronto se apaixonou. O jovem, vendo-a belíssima, e adivinhando o desejo da moça pelo olhar, da mesma forma inflamou-se por ela. Não sem grande pesar para de ambos, durante muito tempo este amor não frutificou. Finalmente, estando os dois bem atentos àquela situação, o jovem percebeu um meio de juntar-se à jovem furtivamente. Ela, muito contente, não foi por ele visitada apenas uma vez, senão muitas, o que a ambos proporcionou grande prazer. Mas, enquanto as coisas assim corriam, aconteceu que ele, numa noite, foi visto, por uma das senhoras lá de d

O PROTETOR - Conto de Guy de Maupassant

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  O PROTETOR Guy de Maupassant (1850 – 1893) Tradução de autor desconhecido início do séc. XX   Nuca sonhara com tão grande fortuna. Filho de um meirinho da província, Jean Marin viera, como tantos outros, estudar o seu Direito no Bairro Latino. Nos diferentes botequins que sucessivamente frequentara, tornara-se o amigo de vários estudantes faladores que discutiam política bebendo chope.   Começou a admirá-los e segui-los obstinadamente, de café em café, pagando as contas quando tinha dinheiro. Fez-se depois advogado e pleiteou várias causas, sempre perdendo. Ora, numa manhã, leu nas folhas que um dos seus antigos companheiros do bairro fora eleito deputado. Foi de novo um cão fiel, o amigo que faz as encomendas e os recados; o amigo que se procura quando há alguma necessidade e com quem não há cerimônia. Mas, por simples aventura parlamentar, sucedeu que o deputado se tornou ministro; seis meses depois, Jean Marin era nomeado conselheiro do Estado.   *   Numa grand

O MÉDICO ENGANADO - Narrativa Verídica - Simon François Blocquel, dito Frinellan

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  O MÉDICO ENGANADO Simon François Blocquel, dito Frinellan (1780-1863) Tradução de Paulo Soriano   O médico Saint-André combatia, em seus escritos, as superstições. No entanto, uma mulher — mais esperta do que o doutor — conseguiu enganá-lo. Em 1776, esta mulher assegurou-lhe que havia dado à luz um filhote de coelho e, como sentia dores de parto — sinal seguro, segundo ela, de um novo e próximo nascimento —, implorou a Saint-André que a ajudasse a dar à luz. O nosso médico cedeu ao pedido e, para o seu espanto, fez nascer à mulher um coelhinho ainda vivo. A polícia, todavia, arrestou esta nova espécie de rebento e, depressa, tornou-se claro que a mulher havia troçado do público e, em particular, zombara de seu médico demasiado crédulo.   Fonte: Le triple vocabulaire infenal, Paris, 1847.    

VIRGÍNIA - Conto Trágico - J. J. de S. S. Rio

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  VIRGÍNIA J. J. de S. S. Rio (Séc. XIX)   Maldito o seu furor, porque obstinado, e maldita a sua ira, porque inflexível. Gênesis   Prostrada ante uma imagem da Virgem, banhada em pranto o rosto, soltos os cabelos, e a mais viva aflição pintada no semblante, orava Virgínia, a inconsolável Virgínia, esperando a cada momento a infausta notícia da morte de seu amante, que nas trincheiras barateava a vida pela pátria, pelejava contra holandeses, defendendo a cidade de São Salvador. Em vão buscava a mãe tranquilizá-la; em vão; as palavras da velha não podiam levar a seu dilacerado coração a consoladora esperança, que perdida a tinha ela; mas, e ainda mal, mais e mais aumentavam-lhe a dor, mais e mais tornavam insuportáveis os seus sofrimentos. Ah! Que ela, moça e tão linda, tinha visto partir do Recôncavo da Bahia o seu querido Eugênio, na véspera desse dia em que lhe devia dar a mão de esposo, e firmar ante o altar os seus protestos de amores, em uma tarde do mês de maio.

A CIGANA - Narrativa Breve - Prosper Mérimée

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A CIGANA Prosper Mérimée (1803 – 1870) Tradução de Paulo Soriano   No ano passado, uma espanhola contou-me a seguinte história: Um dia, passava ela pela rua de Alcalá, muito triste e preocupada. Foi quando uma cigana, agachada na calçada, gritou-lhe: — Minha linda senhora, teu amante te traiu. Era a verdade. — Queres que eu o traga de volta para ti? Compreende-se com que alegria a proposta foi aceita e qual deveria ser a confiança inspirada por uma pessoa que, num relance, adivinhara os íntimos segredos de seu coração.   Como seria impossível realizar os ritos mágicos na rua mais movimentada de Madri, combinou-se um encontro para o dia seguinte. —Nada é mais fácil do que trazer de volta, a seus pés, um homem infiel — disse a cigana. — Tens em um lenço, um cachecol ou uma mantilha que ele te tenha dado? A cigana recebeu um lenço de seda. — Agora costura, com seda carmesim, uma piastra [1] num canto do lenço. Em outro canto, costura meia piastra; e, aqui, uma moedinha; ali, uma moeda de

LAMENTO - Poema em Prosa - Charlotte Brontë

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  LAMENTO Charlotte Brontë (1816 – 1855) Tradução de Paulo Soriano   Há muito tempo, desejei deixar a casa onde eu nasci e costumava sofrer. Minha casa parecia tão abandonada! Outrora, os seus cômodos silenciosos estavam repletos de medos assombrosos. Mas, agora, a sua memória cobre-se de ternas lágrimas. Conheci a vida e o casamento, que, noutros tempos, eram tão fulgurantes. Mas, presentemente, vejo que se esvaiu cada raio de luz! No mar desconhecido da vida, eu não encontrei ilha abençoada. Mas, finalmente, por sobre as suas ondas selvagens, o meu barco volta para casa. Adeus, profundidade sombria e ondulante! Adeus, estranhos litorais! Abri, em amplas nuvens, o vosso glorioso reino! Malgrado eu tenha conseguido passar, em segurança, o ora cansado, ora tumultuoso rio, uma voz amada, ente ondas e rajadas, poderia chamar-me de volta. Numa manhã resplandecente, vívida na alma, erguer-se-ia, sobre o meu Paraíso, William. Mesmo do repouso do Céu, eu voltaria, quanto