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A CONSOLADORA - Conto - Catulle Mendes

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A CONSOLADORA Catulle Mendes (1841 – 1909) Tradução de Esmeralda (Séc. XIX) A cabeça pendida nas mãos e peito convulsionado pelos soluços, ele estava sentado à cabeceira do leito da agonizante. Ela, com os olhos semicerrados apresentava a rígida palidez dos cadáveres. Alta, branca, fria, deitada de costas com os cabelos soltos, a moribunda assemelhava-se a uma estátua estendida sobre o sarcófago de uma rainha. — Oh! Não te aflijas, meu querido — balbuciou a agonizante com a voz quase extinta. —Para que sofres tanto? Perdes-me, mas também eu te deixo, e não choro. É que eu sou uma pobre mulher ignorante: sou cristã. Sei que vou adormecer para dentro em pouco acordar. E quando surgir o eterno dia, encontrar-te-ei a meu lado como nas outras manhãs. Mesmo antes de Deus, hei de ver-te primeiro a ti. Desejo que partilhes esta inefável crença. Enxuga as tuas lágrimas, sorri. Dá-me um beijo: restituí-lo-ei amanhã. Ele não respondeu. Os soluços sufocavam-no. A agonizante prosseguiu, atr...

O GRANDE MICHU - Conto - Émile Zola

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O GRANDE MICHU Émile Zola (1840 – 1902) Tradução de autor desconhecido do séc. XIX I No recreio das quatro horas, o Grande Michu chamou-me misteriosamente para um canto do páteo. Tomara ele um ar grave que me inspirou algum temor, pois o Grande Michu era um rapaz muito corpulento, de bíceps enormes, que, por coisa nenhuma, quisera eu ter no número dos meus desafectos. — Ouve — disse-me ele, com a sua rude voz de campônio ainda mal limado. — Ouve. Queres acompanhar-nos? — Sim — respondi imediatamente, sem hesitar, encantado com ideia de acompanhar o Grande Michu fosse no que fosse. Então ele explicou-me que se tratava de uma conjuração. As confidências que me fez causaram-me uma deliciosa sensação. Igual nunca mais experimentei. Afinal, assim entrava eu nas arriscadas aventuras da vida, ia ter um segredo a guardar, uma batalha a ferir. Sem dúvida, o medo sopeado que experimentava, com a ideia de comprometer-me por tal forma, entrava por metade nos acres prazeres do meu novo pa...

A VINGANÇA DO PINTOR - Conto Humorístico - Autor anônimo do séc. XIX

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A VINGANÇA DO PINTOR Autor anônimo do séc. XIX Tradução de autor anônimo do séc. XIX Há cerca de trinta anos, vivia em Bruxelas o pintor belga Antoine Wiertz 1 , que conquistara grande renome pela originalidade e perfeição dos seus trabalhos; e estava em moda o fazer-se retratar por ele. Esta graça, porém, não a concedia o pintor a qualquer, senão àqueles tão somente cujas fisionomias pendiam mais para o esquisito e ridículo do que para o belo. Levado pelo desejo de se fazer imortalizar pelo pincel do artista, foi procurá-lo um dia o mestre Van Spach, tabelião de notas da cidade. Lia-se no rosto enrugado do notário a expressão da astúcia e certo ar de filáucia. Era um dos homens mais ricos de Bruxelas, e tanto tinha de rico como de avarento, o que lhe mereceu a alcunha de mestre Harpagão 2 . Conhecia-lhe o pintor o lado fraco; entretanto, sem hesitar, acedeu ao seu pedido. É que a cabeça do velho tabelião, logo à primeira vista, o havia impressionado. A calva, a testa enrugada, as ...