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OGUSTO - Crônica - Paulo Soriano

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  OGUSTO (OU CRÔNICA DE UM NATAL COMUM) Paulo Soriano     Para Henry Evaristo, in memoriam.   – Moço, o senhor me paga um almoço pra mim? É comum que os pequenos, ao abordarem na rua as pessoas, estendam as mãos e peçam baixinho, teatralizando um olhar humilde e piedoso. Não foi assim com aquele garoto mulato, de belos olhos cor-de-avelã. Tinha um sorriso bonito no rosto e parecia especialmente feliz. – Como é o seu nome? – Ogusto. – Venha, Ogusto. O homem, que achou graça naquele menino raquítico, de alvos dentes e olhar esperto, caminhava em direção ao shopping . O menino tocou-o sutilmente no cotovelo quando se aproximavam de um dos portões de entrada: – Me dê a mão, moço, senão os segurança me barra. O homem obedeceu. Olhou para o menino, que sorria radiante, e sentiu uma ternura inocente — e um certo orgulho indefinido —, algo que o pai deveria sentir quando leva o filho para passear em um fim de semana ensolarado. – Qual é o seu time...

O CONTO DO VIGÁRIO - Crônica Clássica - Mário José de Almeida

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  O CONTO DO VIGÁRIO Mário José de Almeida (Início do séc.   XX)   Inácio José Pereira Maranhense, ainda pouco conhecido como vigarista, frequentava uma roda em que havia um homem que gostava de usar joias.   Uma tarde, ele surgiu casualmente no café em que costumavam se encontrar para palestras descuidadas e trazia no dedo um anel de ouro com um autêntico brilhante. A joia despertou a atenção e passou de mão em mão, porque o Maranhense, com muita naturalidade, tirou-a do dedo e colocou-a sobre a mesa.   —Quanto vale, Maranhense? —Não vale nada. É apenas um trabalho bem feito. —Mas é de ouro?   —Não. O aro é de plaquet e essa pedra é um brilhante de Paris. — Qual, eu conheço joias — disse o homem, que costumava usá-las. E continuou: — Esse anel é verdadeiro e, se você quiser, dou 500$000 por ele. —Você está doido. Isto vale uns 20$000, quando muito. E encaminhou a conversa para outro assunto. No dia seguinte surgiu o Maranhense ...

O PEQUENO DUMAS E A MORTE DO PAI - Crônica - Paulo Soriano

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  O PEQUENO DUMAS E A MORTE DO PAI Paulo Soriano   Dumas tinha apenas quatro anos incompletos quando morreu seu pai, o general Thomas-Alexandre Dumas. Conta-nos Heloísa Pietro, com lastro em André Maurois, que, na manhã seguinte à morte do general, ao acordar o pequenino órfão, disseram-lhe: – Meu querido menino, seu pai, que o amava tanto, faleceu. – Papai faleceu? O que isto quer dizer? – Quer dizer que você não o verá mais. – E por que não? – Porque o bom Deus o levou consigo. – E onde mora o bom Deus? – No céu. O menino calou-se, mas, assim que voltou para a sua casa, correu até o quarto do pai e pegou seu fuzil. Subiu as escadas e pôs-se à janela. Encontrou a mãe, que chorava copiosamente. – Aonde você vai? – Vou para o céu. – E o que você fará no céu, meu menino? – Vou matar o bom Deus que matou o meu pai. Genial, Dumas, desde criança...  

CONTRASTES DE MINHA TERRA - Crônica - José Alfredo Padovani

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  CONTRASTES DE MINHA TERRA José Alfredo Padovani   Ponte Nova é uma CIDADE ESPECIAL e cheia de contrastes. Senão vejamos:   - A Casa Botafogo jamais promoveu um queima na vida. - Maestro não sabia uma nota musical. - A Esplanada fica no alto do morro. - Diploma não tinha nem o de Primeira Comunhão. - Antônio Pezinho calçava 45. - José Clara era negro. - Blecaute é um conceituado eletricista. - Sô Júlio Bravo era um cidadão pacato e atencioso. - Dona Santa comandava um centro espírita. - Zezinho das Moças era mais chegado aos rapazes. - Zezé Marcha Lenta era um dos jogadores mais rápido do ataque Macuco. - Júlio Valadares é de Barra Longa. - Conjunto Habitacional Dalvo Bemfeito tem vários problemas estruturais. - Menininha já passou dos sessenta anos. - O Hospital deveria ser de Nossa Senhora da Saúde e não de Nossa Senhora das Dores. - Zé Tenente nunca foi soldado na vida. - Zé Conforto morava numa casa de dois cômodos. - Imacu...

JANTAR EM SÃO PAULO - Conto - Luiz Raimundo

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  JANTAR EM SÃO PAULO Luiz Raimundo                      Seu Zé Honório era um próspero fazendeiro no município de Carmo do Rio Claro, no Oeste de Minas. Muitas cabeças de gado – tanto de corte como vacas leiteiras. Três filhos o ajudavam na administração da propriedade, e já estava numa idade de não se preocupar muito com os negócios, já que os filhos eram ajuizados e sabiam tocar a fazenda sem nenhum contratempo.                    Sempre foi muito caseiro o Seu Zé – ele e Dona Zelinha, não eram muito de viajar. Ele, de quando em vez, dava um pulinho em Formiga para negociar com Sô Juquita Rezende, ou em Campo Belo, para prosear com seu amigo Luiz Gibran.                    Um dia deu na telha de con...

O AVARENTO E O INVEJOSO - Narrativa Clássica - Flávio Aviano

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O AVARENTO E O INVEJOSO Flávio Aviano (Final do século IV — início do século V)   Do alto dos céus, Júpiter enviou Febo à Terra para inteirar-se da dúbia vontade dos seres humanos. Apareceram, diante de Febo, dois homens cujos espíritos eram bem distintos: um era avarento; o outro, invejoso. — O que quereis pedir-me? — perguntou Febo. — Dizei-me e vos será concedido. E àquele que primeiro pedir, darei em dobro ao segundo. Ao ouvir isto, acreditando que o companheiro demandaria por riquezas, quis o avarento que o invejoso formulasse primeiro o pedido, para que obtivesse o dobro do que àqueloutro caberia. O invejoso, porém, percebendo, de pronto, a astúcia do avarento, que haveria de receber em dobro o seu quinhão, não pôde conter a inveja. Então, pediu a Febo que lhe despojasse de um olho, para que o seu companheiro tivesse ambos os olhos arrancados. Febo, vendo isto, ascendeu a Júpiter, e, sorrindo, contou-lhe que, na Terra, a perniciosa inveja reinava com tal vig...

HEMORRAGIA - Narrativa Verídica - Paulo Soriano

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HEMORRAGIA   Meados do século XIX. Certa manhã, um médico foi chamado ao campo para visitar uma senhora que padecia, há alguns dias, de uma “nevralgia facial” — provavelmente, diríamos hoje, uma forte sinusite — muito dolorosa. O médico a examinou.   Aproximando-se da mulher, desferiu, na face da doente, junto ao nariz, um soco tão intenso que lhe causou uma intensa hemorragia. Sem nada falar, o médico abriu a porta, subiu à carruagem e partiu a galope. O marido correu, furioso, atrás do médico, alcançando-o em Limonges. Queria fazer com que o médico pagasse caro por tão vil atrevimento... — O que você quer de mim? — perguntou o doutor.   — Você não me chamou para curar a sua mulher? — Sim, mas... — Pois bem, agora ela está curada.   Volte para casa.   Se eu dissesse que daria uma pancada em sua mulher, certamente     ninguém — nem você e nem ela — teria consentido.   Já verá que tenho razão. Adeus! Tendo assim falado, fechou a...